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Flávio Viegas Amoreira: Capoeira: gestual sagrado de luz e sombra

Capoeira: gestual sagrado de luz e sombra – Mestre Sombra em roda

Capoeira: gestual sagrado de luz e sombra

A capoeira é dança? Luta ou simulação da luta? Ritual, saber do gesto, poética do instante irrepetível do tato e contato? Verso e reverso, sístole e diástole, fibra e entrega, a capoeira é o movimento cósmico num balé teatralizado ao extremo do esforço. Parte e todo, a capoeira representa mais antigo ritual urbano a nos lembrar das áfricas em nós e toda ancestralidade arcana ecoando a potência espiritual dos quilombos e senzalas. Rito, canto e habilidade que não perde em nada à beleza do flamenco andaluz ou o kabuki japonês. A capoeira mimetiza e estiliza a condição humana, é aprender, surpreender no balanço ritmado sutilmente, numa toada alternando vida e morte, sol e lua, luz e sua irmã sombra.

Roda ao som do divino berimbau, as ressonâncias dos atabaques, a marcação dos pandeiros, promovendo valores na pedagogia do respeito, na arte da troca, na sagração da fraternidade gingada. Estupidamente proibida e perseguida como foi o samba, a capoeira hoje é patrimônio imaterial da humanidade, praticada por 8 milhões, em 150 países. Um dos maiores responsáveis por sua perenitude e disseminação é um homem-entidade, uma força da natureza: o Mestre Sombra. Sergipano radicado em Santos, estivador, trabalhador nos transportes coletivos, homem do mundo que conquistou um espaço sagrado, um templo, a Associação de Capoeira Senzala, na Rua Braz Cubas 227 e referência internacional na magia da luta-bailado.

A capoeira é estudada nas cátedras, a capoeira conversa com o jazz, a capoeira tem sido uma abordagem de tempo e espaço na aquietação de almas em busca de centro, eixo e aprimoramento. Roberto Teles, seu nome de nascença, discreto, sereno, disciplina encarnada, Sombra que imanta toda vibração e visão guardando iluminação. Isso! Mestre Sombra me soa iluminado sem as pretensões de guru, mestre na integralidade do termo de doação e exigência. Acabo de ler seu relato, breves memórias, Meu Andar com a Capoeira: Construção de um Legado. Confesso hauri essa obra emocionado. “Capoeira Angola/É a herança e o sentimento da alma em forma de movimento”.

Sombra, sabendo ou não, é poeta. “Estou consciente/Que não é só a vida/ Que te faz uma boa capoeira/Mas, sim, o conhecimento e fundamento/ Na própria vida, te fará capoeira”. A capoeira é toda ela yin e yang, epifania como o Tao. Li como se ouvisse um personagem de Grande Sertão: Veredas. Corporalidade e propósito, intenção e intuição, a capoeira uma ética e estética. “Capoeira é uma linguagem/Da mente para o corpo/E não do corpo para a mente”.

A capoeira, uma dialética entre combate e apaziguamento profundo, perícia e leveza, práxis exemplar de autocontrole e da tão decantada inteligência emocional. Ser capoeirista é ter a grandeza na alma na busca pela ancestralidade. É o sagrado em rotação, forma e conteúdo entrelaçados. Como diz o Mestre “é por o corpo em oração”.

Com uma alegria que a justifica como equipamento de pluralidade extrema, a Casa das Culturas de Santos sedia terça-feira, às 14h30, o lançamento do livro que deve tocar cada coração aberto às raízes mais profundas de nossa brasilidade. Convido leitores a conhecer a grandeza missionária de Sombra, que vibra numa sintonia secular dos reinos da outra margem do Atlântico, agora numa mensagem de paz magnânima, apesar de tanto sofrimento.

Flávio Viegas Amoreira

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