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Em ‘Glossário de um Poeta’ – Edward Hirsch e o mistério da poesia

Em Glossário de um Poeta, Edward Hirsch reúne séculos de vozes para refletir sobre o mistério da poesia. Mais que uma forma literária, ela é uma experiência vital, anterior à escrita e inseparável do humano. Borges dizia que a definir seria empobrecê-la; Wordsworth a via como o transbordamento tranquilo dos sentimentos; e Emily Dickinson reconhecia-a quando sentia “como se tivessem arrancado o topo da cabeça”. Para Hirsch, a poesia é esse instante em que a linguagem se torna revelação, emoção, memória e beleza fundidas em um mesmo gesto criador.

Edward Hirsch

Poesia

Um evento inexplicável (embora não incompreensível) na linguagem; uma experiência através das palavras. Jorge Luís Borges acreditava que “a poesia é algo que não pode ser definido sem simplificá-la demais. Seria como tentar definir a cor amarela, o amor, a queda das folhas no outono”. Mesmo Samuel Johnson afirmou: “Circunscrever a poesia por meio de uma definição só mostrará a estreiteza de quem a define”.

A poesia é um fundamento humano, como a música. Ela antecede a alfabetização e a prosa em todas as literaturas. Provavelmente nunca houve uma cultura sem ela, contudo, ninguém sabe precisamente o que ela é. A palavra poesie entrou para o idioma inglês no século XIV e deu origem a poesy (como em “A Defesa da Poesia”, de Sir Philip Sidney, por volta de 1582) e posy, um lema em verso. Poetrie (do latim poetria) entrou para o vocabulário inglês do século XIV e evoluiu para a nossa poesia. A palavra grega poíesis significa “fazer”. O fato de o termo mais antigo para poeta significar “criador” sugere que um poema é construído.

Poetas (e outros) fizeram muitas tentativas ao longo dos séculos para explicar a poesia, um instrumento antigo e necessário da nossa humanidade:

O tratado de Dante sobre poesia vernácula, De vulgari eloquentia, sugere que, por volta de 1300, a poesia era tipicamente concebida como uma espécie de eloquência.
Sir Philip Sidney (1554–1586) disse que a poesia é “uma representação, uma falsificação, uma figuração: falar metaforicamente: uma imagem falante: com o objetivo de ensinar e deleitar”.
Ben Jonhson (1572–1637) referiu-se à arte da poesia como “o ofício de criar”.
O poeta jesuíta barroco Tomássio Ceva (1649-1737) disse: “A poesia é um sonho sonhado na presença da razão.”
Coleridge (1772-1834) afirmou que a poesia equivale às “melhores palavras na melhor ordem”. Ele a caracterizou como “aquele poder sintético e mágico, ao qual apropriamos exclusivamente o nome de imaginação”.
Wordsworth (1771-1850) disse, de forma memorável, que a poesia era “o transbordamento espontâneo de sentimentos poderosos… relembrados em tranquilidade”.
John Stuart Mill (1806-1873) deu continuidade à ênfase de Wordsworth na emoção transbordante ao escrever que a poesia é “o sentimento confessando-se a si mesmo em momentos de solidão”.
Shelley (1792-1822) chamou a poesia, com entusiasmo, de “o registro dos melhores e mais felizes momentos das mentes mais felizes e melhores”. Ele disse que a poesia “redige da decadência as manifestações da divindade no homem”.
Matthew Arnold (1822-1888) restringiu a definição a “uma crítica da vida”.
Ezra Pound (1885-1972) argumentou mais tarde: “A poesia é tanto uma ‘crítica da vida’ quanto o ferro em brasa é uma crítica do fogo.”
Gerard Manley Hopkins (1844-1889) caracterizou-o como “discurso formulado… para ser ouvido por si só e por seu próprio interesse, mesmo acima do interesse do seu significado”.
W.B. Yeats (1865-1939) adorava a definição de poesia de Gavin Douglas (1553) como “prazer e meio deslumbramento”.
George Santayana (1863-1952) disse que “a poesia é a fala em que o instrumento conta tanto quanto o significado”. Mas ele também a considerava algo além da “expressão verbal”, como “aquele fogo sutil e luz interior que às vezes parece brilhar através do mundo e tocar as imagens em nossas mentes com uma beleza inefável”.
Wallace Stevens (1879-1955) caracterizou a poesia como “uma revelação das palavras por meio das palavras”.
Tolstói (1828-1910) anotou em seu diário: “Poesia é verso: prosa não é verso. Ou então, poesia é tudo, com exceção de documentos comerciais e livros escolares”. Anos depois, Marianne Moore (1887-1972) respondeu: “[N]em é válido / discriminar contra ‘documentos comerciais e // livros escolares’”. Em vez disso, ela chamou os poemas de “jardins imaginários com sapos de verdade dentro”.
Gertrude Stein (1874-1946) afirmou: “A poesia nada mais é do que usar substantivos que expressam perda, recusa, prazer, traição e carícia.”
Robert Frost (1874-1963) disse com ironia: “A poesia oferece a única maneira permitida de dizer uma coisa e significar outra.”
Robert Graves (1895-1985) considerava-o uma forma de “magia armazenada”, enquanto André Breton (1896-1966) o descrevia como uma “sala de maravilhas”.
Howard Nemerov (1920-1991) disse que a poesia é simplesmente “acertar em algo com a linguagem”.
Joseph Brodsky (1940-1996) descreveu a poesia como “pensamento acelerado”, Seamus Heaney (1939-2013) chamou-a de “linguagem em órbita”.

A poesia parece, em sua essência, uma transação verbal. Em sua forma oral, estabelece uma relação entre um falante e um ouvinte; em sua forma escrita, estabelece uma relação entre um escritor e um leitor. Contudo, por vezes, essa relação parece ir além das palavras. John Keats (1795-1821) acreditava que “a poesia deveria… impressionar o leitor como uma expressão de seus próprios pensamentos mais elevados, e parecer quase uma lembrança”. O poeta australiano Les Murray (n. 1938) argumenta que “a poesia existe para proporcionar a experiência poética”. Essa experiência é “uma posse temporária”. Nós a conhecemos pelo contato, pois possui uma intensidade inegável.

Emily Dickinson (1830-1886) escreveu em uma carta de 1870:
Se eu leio um livro e ele me deixa com o corpo tão gelado que nenhum fogo consegue me aquecer, sei que isso é poesia. Se eu sinto fisicamente como se tivessem arrancado o topo da minha cabeça, sei que isso é poesia. Essas são as únicas maneiras que conheço. Existe alguma outra forma?

A. E. Housman escreveu em O Nome e a Natureza da Poesia (1933):
Há um ou dois anos, assim como outros, recebi dos Estados Unidos um pedido para que eu definisse poesia. Respondi que não conseguia definir poesia mais do que um terrier consegue definir um rato, mas que acreditava que ambos reconhecíamos o objeto pelos sintomas que ele provoca em nós. Um desses sintomas foi descrito em conexão com outro objeto por Elifaz, o Termanita: “Um espírito passou diante do meu rosto: os pelos da minha pele se eriçaram”. A experiência me ensinou que, ao me barbear pela manhã, devo vigiar meus pensamentos, pois, se um verso de poesia me vem à mente, minha pele se arrepia de tal forma que a lâmina para de funcionar. Esse sintoma específico é acompanhado por um arrepio na espinha; há outro que consiste em um aperto na garganta e lacrimejamento; e há um terceiro que só posso descrever tomando emprestada uma frase de uma das últimas cartas de Keats, onde ele diz, falando de Fanny Brawne: “tudo que me lembra dela me atravessa como uma lança”.

Edward M. Hirsch (nascido em 20 de janeiro de 1950) é um poeta e crítico americano que escreveu um best-seller nacional sobre a leitura de poesia. Publicou nove livros de poemas, incluindo The Living Fire: New and Selected Poems (2010), que reúne trinta e cinco anos de trabalho, e Gabriel: A Poem (2014), uma elegia em forma de livro para seu filho que a revista The New Yorker chamou de “uma obra-prima da tristeza”. Ele também publicou cinco livros de prosa sobre poesia. É presidente da Fundação Memorial John Simon Guggenheim, na cidade de Nova York.

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