Pour que nous, que avons des
rêves, puissions simplement
tourner la tête et disparaître
rêves, puissions simplement
tourner la tête et disparaître
Sem fim
enroscada em um dos pilares sob a ponte daquele rio
aprofundo minha alucinação
farejo madeiras antigas e aspiro o
perfume de peixes
que não existem mais
abalroo proas de barquinhos antes
imponentes e mágicos
e cavouco rastros de cupins nos
restos dos seus lemes
diviso a névoa onde boiam
antes das águas
pontinhos dourados e prateados e até azuis
que o leito do rio sacode sobre meu ombro
ardente
abro as pernas lenta
a água turva me penetra
e eu suspensa
fixo com um olho só a superfície
apalpo destroços debaixo do espelho d’água
e minhas bochechas
flácidas
incham a cada baforada do resto
do ar que ainda
me empurra para baixo
como se o leito pútrido do Sena
ou do
Tietê
me cobrissem de vez para o sono
sem fim
❧
Svalbard
Sobre os telhados das casas cores calvas escancaram o branco
As garras dos ursos cintilam como aço no espelho de gelo.
Eles, mais belos que as montanhas invertidas – não se sabe o que é a
porcelana do céu, ou se é o vaso chinês incrustrado de lendas do inverno –
oferecem seus olhos oblíquos de mel à dança frenética e gélida do sol da meia
noite durante cento e vinte dias. Os mais importantes habitantes de Svalbard,
se acaso ainda vivos, tonteiam o que nunca viverão lá, e tropeçam em
exploradores ou turistas, tanto faz …
O vermelho sob suas garras, a fome, o susto, o sangue violando aquele branco
cegueira alva.
Minha língua queima.
Balbucio Svalbard, Svalbard,
e ainda tremulo pesadelos de amor.
Sangra. Ela sangra. Ele sangra.
A casa derrete. Svalbard. Ah meu vermelho- Guará! O gelo derrete. A
casa sangra.
Ah Amazônia.
Ah as cores de Svalbard.
Por isso a luz da manhã e das mil noites é transparente como um salpa
– não se trata aqui do sarpa salsa de cuja cabeça explodem alucinações –
Uma raposa branca recém –nascida flutua no leite que lambuza meus lábios e
alisa meus seios antigos pispiscando atrás de um horizonte morno.
Não há como não ficar úmida e fora de mim
com o vento desse tempo do tempo desse vento desse tempo vento com ar de
embaçamento camuflado de magia
a pele arrepia
a pele dos móveis
das paredes
o corrimão …
Eu, anestesiada,
danço para o sol que não extenua,
nem aquece.
O tempo
rebentou minhas sete peles.
E eu alço voo pelos telhados brancos
de Svalbard,
leve.
❧
Minuta do fim
a cena da tua partida boiou nas minhas retinas dia e noite até ficarem opacas e
assim elas submergiram no tempo imóvel
teus passos na contramão do meu abraço congelou qualquer movimento e toda
pulsação
de cócoras eu grunho para que o corvo pique e estilhace meu couro cabeludo
até que ferva o sangue dos vasos e veias e o caos aborte o grande amor e
me obrigue a me reencantar com o pântano
o mesmo pântano corrido nos nossos poemas todos
paridos nas três noites de vinho e luxúria da terra que trespassou meu coração
e ungiu meu corpo com leite de mescal
oh pássaro tonto devorador da serpente, emplumada
vomita suas penas e banha minha língua exausta de lágrimas com seu sopro
até o renascer do outro
aqui estou me lambuzando do crème de la crème no estertor de nossas vidas
e me agarro craquelada e nua em um corrimão oleoso da gare du nord
no último degrau ainda uma vez farejo esse outro que se esconde no gelo do
teu gesto descarnado e vazio
com a flor de Novalis entre os lábios
hei de salivar o mel das montanhas de Omã me despedindo do teu calor e dos
teus olhos lindos que não decifram o gosto sutil e agridoce da ressurreição
por fim
deslizo macia bem dentro da tua garganta
e da minha
❧
Afagos de calor
alargar a arcada dentária que ainda resta
para o sol explodir no vão dos dentes
e escorregar lento e indiferente
por entre minhas coxas moles e
dos poros
não poupar cada fresta
como o desejo que bebo do sumo
que me engole
se enrosca na medula
em chamas
sem rumo e
sem sequer deixar sequela
lambe o cóccix e invade
o ânus
para extirpar destes tempos
a secura
Beth Brait Alvim
25 de novembro de 2025
25 de novembro de 2025
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