O poeta Antônio Moura traduz a poesia de Jean-Joseph Rabearivelo: “Traduit de la nuit / Traduzido da noite”

Traduzido da Noite – Jean-Joseph Rabearivelo | Tradução de Antônio Moura

“Traduit de la nuit/Traduzido da noite”

Jean-Joseph Rabearivelo
Tradução de Antônio Moura

“Uma estrela púrpura evolui nas profundezas do céu” – O poeta Antônio Moura traduz a poesia de Jean-Joseph Rabearivelo: “Traduit de la nuit / Traduzido da noite”

Capa do livro 'Traduzido da Noite' - Jean-Joseph Rabearivelo, traduzido por Antônio Moura
Sobre o autor:

Nascido Jean-Casimir Rabe – seu nome de batismo –, em Tanarivo, Madagascar, no ano de 1901 (ou 1903, há controvérsias), filho natural de uma jovem protestante de sobrenome Rabozivelo e descendente de uma casta real arruinada pela colonização, falecido – suicidado pela sociedade –, em 1937, trata-se, do ponto de vista geo-político, de um autor descentralizado, de fora do eixo europeu dominante da literatura, negro, de um país periférico.

Em "Traduit de la nuit" este culto ancestral encontra-se de forma mais velada, através de uma poética que inclui elementos e figurações recorrentes que nos remetem à nossa ancestralidade universal, como a própria noite, o pássaro, a estrela. Elementos que vão e voltam ao longo do livro e que também formam uma poética, um diálogo com o próprio ato criador. Tudo isto através de uma dicção muito peculiar, em que devemos destacar o advento do verso livre e, em particular, o verso livre de Jean-Joseph Rabearivelo, que, segundo seus críticos, é consequência de suas leituras vanguardistas.

Sobre o tradutor:

Antônio Moura nasceu em Belém do Pará, em 16/01/1963. Poeta e tradutor, tem catorze livros publicados: onze no Brasil (sete autorais, quatro de tradução) e três no exterior (Reino Unido, Catalunha e México, com traduções, respectivamente, de Stefan Tobler, Joan Navarro e Víctor Sosa). Entre estes, os livros "Silence River" premiado na John Dryden Translation Competition (Reino Unido), com turnê de lançamento por oito cidades da Inglaterra, passando por Londres e Oxford; e a antologia “A guerra invisível”, indicada ao Prêmio Candango 2022; Diversas vezes publicado em revistas e antologias nacionais e internacionais, incluíndo Portugal, Estados Unidos, Espanha, Alemanha e França.
I

Pour avoir mis le pied
Sur le cœur de la nuit
Je suis un homme pris
Dans les rets étoilés.

Jules Supervielle

Une étoile pourpre Évolue dans la profondeur du ciel – Quelle fleur de sang éclose en la prairie de la nuit

Évolue, évolue, Puis devient comme un cerf-volant lâché par un enfant endormi.

Paraît s’approcher et s’éloigner à la fois, Perd sa couleur comme une fleur près de tomber, Devient nuage, devient blanc, se réduit: N’est plus qu’une pointe de diamant Striant le miroir bleu du zénith Où l’on voit déjà le leurre Glorieux du matin nubile.
I

Por ter posto o pé
No coração da noite
Sou um homem preso
Numa rede de estrelas.

Jules Supervielle

Uma estrela púrpura evolui nas profundezas do céu – que flor de sangue desabrocha na pradaria da noite?

Evolui, evolui, depois como um cervo-voador soltado por uma criança dormindo.

Parece aproximar-se e afastar-se ao mesmo tempo, perde sua cor como uma flor prestes a tombar, torna-se nuvem, torna-se branco, se reduz: não é mais que uma ponta de diamante trincando o espelho azul do zênite onde já se vê o ardil glorioso da manhã núbil.
IV
Ce qui se passe sous la terre, Au nadir lointain? Penche-toi près d’une fontaine, Près d’un fleuve Ou d’une source: Tu y verras la lune Tombée dans un trou, Et tu t’y verras toi-même, Lumineux et silencieux, Parmi des arbres sans racines, Et où viennent des oiseaux muets.
IV
O que se passa sob a terra, no nadir distante? Inclina-te junto a uma fonte, Junto a um rio ou de uma nascente: e lá verás a lua caída num perau, e verás a ti mesmo, luminoso e silencioso, entre as árvores sem raízes, onde achegam-se pássaros mudos.
XIX
Il y aura, un jour, un jeune poète qui réalisera ton vœu impossible pour avoir connu tes livres rares comme les fleurs souterraines, tes livres écrits pour cent amis, et non pour un, et non pour mille. Sur le golfe d’ombre où il te relira à la seule lueur de son cœur où rebattra le tien, il ne te croira pas dans les houles pacifiques dont s’empliront toujours les abysses sans soleil, ni dans le sable, ni dans la terre rouge, ni sous les rochers dévorés de lichens qui s’étendront derrière lui jusqu’au pays des vivants aveugles et sourds depuis la Genèse. Il lèvera la tête et pensera sûr que c’est dans l’azur, parmi les étoiles et les vents, que ton tombeau aura été érigé.
XIX
Haverá um dia, um jovem poeta que realizará teu impossível desejo por ter conhecido teus livros raros como as flores subterrâneas, teus livros escritos para cem amigos, e não para um, e não para mil. Sobre o golfo de sombra onde ele te relerá ao único clarão de seu coração onde retumba o teu, ele não te crerá nas flutuações pacíficas que sempre preencherão os abismos sem sol, nem na areia, nem na terra vermelha, nem sob os rochedos devorados de liquens que se estenderão por trás dele até o país dos vivos cegos e surdos após le Génèse. Ele erguerá a tête e pensará que é no azul, entre as estrelas e o vento, que tua tumba foi erguida.
XXVII
Sœurs du silence en la tristesse, les fleurs qui n’ont que leur beauté et leur solitude, les fleurs – morceaux de cœur terrien palpitant à l’unisson des nids – dorment-elles ici, font-elles des rêves sur la fin de leur destinée? Les doigts qui ne voulaient d’elles que leur jeunesse, les doigts se sont tous joints dans la chaude blancheur des draps – sauf les miens qui sont si frêles et qui savent tant choyer les choses délicates. Mes lèvres aussi frôlent les fleurs, les fleurs devenues plus mystérieuses, et plus belles, et brusquement hardies. Et j’entends, mêlées à la respiration des herbes, leurs dernières confidences. Ah! comme elles seraient
XXVII
Irmãs do silêncio na tristeza, as flores que não tem mais que sua beleza e sua solidão, as flores – pedaços de coração terreno palpitando em uníssono aos ninhos – dormem aqui, elas sonham sobre o fim de seu destino? Os dedos que só querem delas sua juventude, os dedos que se juntam no calor branco dos lençóis – salvo os meus que são tão frágeis e que tanto sabem afagar as coisas delicadas. Meus lábios também roçam as flores, as flores tornadas mais misteriosas, e mais belas, e bruscamente ousadas. E escuto, mescladas à respiração das ervas, suas últimas confidências. Ah! Como elas seriam dolorosas sem estes perfumes pacíficos, Senhor, que se esvaem com sua vida.

Este livro é uma obra rara — Um monumento da poesia pós-colonial na voz de Jean-Joeph Rabearivelo .

R$ 48,00
ISBN: 978-65-83100-00-9 | Formato: 14 x 21 cm | 74 páginas
Publicação: Bestiário, 2024

Logo da Editora Bestiário COMPRAR NA EDITORA BESTIÁRIO

© Tradução de Antônio Moura. Edição publicada pela Bestiário Editora, 2024. Todos os direitos reservados.

Autor

  • Antônio Moura

    Antônio Moura nasceu em Belém do Pará, em 1963.  Poeta e tradutor, tem 17 livros publicados: 14 no Brasil (9 autorais, 5 de tradução) e 3 no exterior (Reino Unido, Catalunha e México, com traduções, respectivamente, de Stefan Tobler, Joan Navarro e Víctor Sosa). Entre esses, os livros "Silence River", premiado na John Dryden Translation Conpetition (Reino Unido), com turnê de lançamento por oito cidades da Inglaterra, passando por Londres e Oxford; a antologia “A guerra invisível”, antologia indicada ao Prêmio Candango de Literatura 2022; e Poesia Reunida, editada pela UFPA - Universidade Federal do Pará. Diversas vezes publicado em revistas e antologias nacionais e internacionais, incluindo Portugal, Estados Unidos, Espanha, Alemanha e França.

Compartilhe nas redes sociais.

5 1 voto
Classificação do artigo
Inscrever-se
Notificar de
guest
0 Comentários
mais antigos
mais recentes Mais votado
Feedbacks embutidos
Ver todos os comentários

Receba novidades no seu e-mail assine nossa newsletter

posts recentes

livros recentes

Também podes Ler

0
Adoraria saber sua opinião, comente.x