
Era então quase tradição, em todo o país, amarrar cabritos à uma árvore ou tronco durante a pastagem,— deixando apenas uns poucos metros de corda para que o animal pudesse movimentar-se enquanto pastava. No entanto, tal prática de preender o cabrito à uma árvore servia para que o dito animal não fugisse do pastor ou se evadisse para propriedades circunvizinhas, como era hábito.
No Inverno, com todas as planícies verdejantes, cheirando a frescura pela tenrura do capim, isso nem era problema para os cabritos, até que nem sentiam a amarração a que estavam sujeitos, tanto é que podia ver-se os tais ruminantes ali, elegantes e saltitantes, a engordar feito porcos. Porém, no Verão, com o Inferno do Sol rondando aos 40° Celsius, quase todo o ervaçal desaparecia, vendo-se apenas pingos de capim, e um mar de terra seca. Só os vales resistiram, frescos, à fúria estridente do Sol. No entanto, nesse tempo de Verão, era também lá no vale onde o Pastor Xipico Chico recolhia o alimento para abastecer os cabritos nas suas respectivas árvores onde ficavam amarrados. Xipico Chico preferia ter essa massada a deixá-los pastar livremente, porque quando isso sucedia,— verdade seja dita—, alguns cabritos desapareciam misteriosamente, sem deixar rastros, porém, quando por alguma circunstância deixassem alguns rastros, não valia então a pena arrastá-los até à sua procedência, pois já estavam há “milhões de milhas”, noutra margem do rio.
Certo dia, porém, certo cabrito, a que chamavam de búfalo, — pelo seu enorme tamanho—, então cansado do capim amarelado e desnutrido; com o Sol a fervilhar-lhe o corpo corpulento, pensou em fugir daquela árvore onde tinha sido amarrado, pois estava há dias que não se alimentava direito, e nem havia sombra confortável no local. O “búfalo” pensou em
fugir, e fugiu. Fugiu descendo pelo vale, passando por uma parte estreita do rio, balançando a torto e direito numa jangada, até à outra margem.
Nenhum cabrito até então tinha imaginado que fosse possível desprender-se daquela corda, daquela árvore, e “viver a vida numa boa” em algum “vale” ou “Paraíso”. No entanto, a fuga do Cabrito-Búfalo foi tão memorável para a classe caprina, que transformou-se num marco revolucionário, que passou a designar-se, posteriormente, de Revolução dos Cabritos.
A partir daquele dia, nenhum cabrito então se conformou em ser amarrado a nada, de tal modo que todos se manifestavam rebeldes e violentos, cabeceando árvores e tudo, até que revoltaram-se contra o próprio Xipico Chico que os alimentava. Nessa tentativa de fuga, houve uns tantos que morreram sangrentos, batendo a própria árvore onde estavam amarrados.
Volvido algum tempo, todos os cabritos desapareceram do terreno; vivos, porém fugitivos. A manada estava andando em debandada. Nem a competência, muito menos a inteligência e a força de Xipico Chico foram suficientes para detê-los ou devolvê-los para o seu respectivo recanto, na sombra da árvore.
O tempo passou, — o tempo sempre passa. Os cabritos, cansados então de andar em manada, —devastando tudo de verde que vissem pela frente, sobretudo pelas machambas alheias, —cada um resolveu andar à sua sorte, porque, na luta pela sobrevivência, derrubavam-se uns aos outros pelos carreiros e atalhos, disputando do mesmo capim. Hoje, enquanto os grandes cabritos,— bodes e cabras—, tornaram-se selvagens pelas florestas e savanas, os pequenos andam pelas estradas, barracas e mercados, derrubando bacias de hortaliças das desisperadas “mamanas 1 “.
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Parabéns Octaviano Joba.
Poeta e escritor que tanto admiro e lindo amigo!🌹
Parabéns meu caro Octaviano, é assim que o mundo, particularmente Moçambique cresce!
Muito interessante.
Maravilha de conto, Octaviano! Parabéns. Aproveitei pra publicar na minha Revista PROTEXTO https://remisson.com.br/cabritos-a-solta-um-conto-do-mocambicano-octaviano-joba/, com os devidos créditos, e espero que você goste. E, caso queira, inscreva-se e escreva na revista. Será uma honra contar com a tua presença.
Excelente
Fantástico