Como Escrever um Conto encantador e de Sucesso Guia com Exemplos Autênticos e Oficina Literária

Como Escrever um Conto encantador e de Sucesso — Guia com Exemplos Autênticos e Oficina Literária

Como Escrever um Conto encantador e de Sucesso Guia com Exemplos Autênticos e Oficina Literária

Máquina de datilografar — a escrita do conto como ato de silêncio e coragem

“A escrita do conto não é falar. É deixar que o silêncio fale por nós.”
Ver-O-Poema

O conto não é um romance encurtado. É uma explosão de sentido, uma gota de água que reflete o oceano. Neste guia, você mergulha na essência da narrativa concisa: teoria fundamentada, citações exatas de autores clássicos, análises críticas verificadas e exercícios de oficina literária projetados para treinar sua capacidade de dizer muito com pouco. Além disso, ao final, encontrará uma seleção cuidadosamente compilada de livros essenciais de contos, com links diretos para compra na Amazon, para que você possa estudar os mestres nas edições mais confiáveis.

1. A essência do conto: Unidade de efeito — A doutrina de Poe

Edgar Allan Poe, em seu ensaio seminal “The Philosophy of Composition” (1846), afirmou com rigor: “A obra deve ser tão curta que possa ser lida numa única sessão, e toda palavra deve contribuir para o efeito unitário.”

Isso não é sugestão, é dogma técnico. Em The Tell-Tale Heart, Poe constrói um narrador louco cuja voz se torna o próprio ritmo da loucura. Cada frase aumenta a tensão até o clímax: “Voi-ce! I hear it! They hear it! They are coming!” A repetição, o aumento de volume, o colapso psicológico. Nenhuma descrição desnecessária. Nenhum adjetivo à toa. O efeito é único: Pânico.

No Brasil, Machado de Assis adotou essa mesma ética. Em A Cartomante, todo o conto gira em torno da ironia final. A morte de Vilela por causa de um bilhete falso. A carta da cartomante, o vinho, o cachimbo… tudo serve ao impacto. Nada é decorativo. Tudo é funcional.

2. Exemplos clássicos: Onde a brevidade vira imortalidade — com citações exatas

Os contos a seguir não são apenas histórias, são epifanias literárias. Leia-os como se fossem poemas em prosa, com as palavras exatas dos autores:

  • Machado de AssisA Cartomante (1885):
    “— Que quer dizer isto? — perguntou ele, mostrando-lhe o bilhete. — Significa que morrerás. — Morrerei? — Sim. — Quando? — Dentro de três dias.”
    A genialidade está na banalidade: um bilhete, um vinho, um desfecho implacável. O leitor descobre, junto com o personagem, que a morte não veio da feitiçaria, veio da própria credulidade.”
  • Franz KafkaA Metamorfose (1915, edição crítica da Insel Verlag):
    “Quando Gregor Samsa acordou uma manhã, encontrou-se transformado num inseto gigantesco.”
    Nenhuma explicação. Nenhum flashback. Apenas o fato. E a partir daí, a alienação, o desprezo familiar, a deterioração física. Tudo revelado com frieza documental. Kafka não descreve o horror: ele o registra.
  • Gabriel García MárquezUm Senhor Muito Velho com Asas Enormes (1955, in Cuentos Completos):
    “O velho estava deitado de bruços na lama, com os braços abertos, como se estivesse fazendo uma cruz, e as asas sujas e empoeiradas pareciam as de um urubu velho.”
    Aqui, o milagre é tratado como espetáculo de feira. A fé humana reduzida a lucro. A linguagem é simples, quase jornalística. E por isso, mais perturbadora.
  • Anton TchékhovA Dama do Cachorrinho (1899):
    “E eles sentiram que o começo de uma história nova e complicada — a mais difícil de todas — estava começando.”
    Final aberto. Sem moralismos. Sem redenção. Apenas a consciência de que o amor verdadeiro é o mais solitário dos compromissos. Tchékhov nunca diz o que acontecerá depois, mas o leitor já sabe: nada será como antes.
  • Ernest Hemingway — Estilo do iceberg: Embora o microconto “For sale: baby shoes, never worn” não tenha autoria comprovada (primeira aparição em 1991, atribuído erroneamente a Hemingway), sua força reside na economia. Hemingway mesmo escreveu em Death in the Afternoon:
    “Se um escritor deixa de fora algo porque não sabe, a história só sofre. Mas se ele sabe e sabe o que deixar de fora, então o leitor sentirá algo que foi omitido.”
    Isso é o iceberg: 7/8 invisível, 1/8 visível — e o leitor completa o resto.
  • Jorge Luis BorgesA Biblioteca de Babel (1941, in Ficciones):
    “A Biblioteca é uma esfera cujo centro cabal é qualquer hexágono, cuja circunferência é inacessível.”
    Um universo infinito de livros que contêm todas as combinações possíveis de letras. Entre milhões de volumes aleatórios, existe um livro que contém a verdade absoluta… mas ninguém consegue encontrá-lo. É metafísica pura, e narrada com precisão matemática.
  • Virginia WoolfKew Gardens (1919, in Monday or Tuesday):
    “Uma nuvem passou pela flor. Os caracóis subiram e desceram. Uma mulher disse: ‘Sim, eu me lembro.’”
    Fluxo de consciência. Nenhum protagonista definido. A vida como um jardim: fragmentos, silêncios, memórias que se sobrepõem. A estrutura é poética, não narrativa.
  • Guy de MaupassantO Colar (1884):
    “— Ah! Pobre Mathilde! Mas o meu era falso! Valia no máximo quinhentos francos!”
    A ironia final é perfeita. Madame Loisel sacrifica dez anos de vida por um colar falso. E o leitor percebe: o verdadeiro colar era o orgulho. Ela não perdeu joias, perdeu a alma.
  • Clarice LispectorAmor (1960, in Laços de Família):
    “Ela pensou: ‘É assim que se ama?’ — E sentiu que o amor era uma coisa muito triste.”
    Não há diálogo. Não há ação. Apenas um pensamento que dissolve a ilusão do amor romântico. Clarice não narra emoções, ela as dissolve na linguagem.
  • Guimarães RosaO Espelho (1962, in Sagarana):
    “— O espelho é o diabo que se olha e não se vê.”
    Linguagem inventada, ritmo oral, epifania sertaneja. O espelho não reflete imagem, reflete o medo do próprio ser. Rosa reinventa a língua portuguesa como se fosse um instrumento de magia.
  • Dalton TrevisanO Vampiro de Curitiba (1965):
    “Ele bebia cachaça e calava a boca.”
    Um conto de apenas 15 linhas. Nada mais é dito sobre o personagem. Mas o leitor entende: ele é um monstro que se alimenta de silêncios. Trevisan é o mestre do microconto cortante.
  • Lygia Fagundes TellesAs Meninas (1973, conto incluído em Entre o Amor e a Palavra):
    “Ela não chorou. Chorar seria admitir que havia perdido alguma coisa.”
    Drama íntimo, feminino, reprimido. A dor não é gritada, é engolida. A linguagem é cirúrgica, quase médica. Ela não conta uma história, realiza uma autópsia emocional.

3. Personagens em poucas linhas: A arte da sugestão

No conto, personagens não são apresentados, eles aparecem. Um gesto. Um adjetivo. Um silêncio. Clarice faz um personagem chorar sem lágrimas. Trevisan define um vilão com uma frase solta: “Ele bebia cachaça e calava a boca.” Guimarães Rosa dá nome a um rio e, com ele, cria um mundo.

Não descreva quem são. Mostre o que fazem e deixe o leitor descobrir quem são.

4. Conflito e ritmo: O pulso do conto

Conflito não precisa ser épico. Pode ser:

  • Íntimo: entre o desejo e o dever (A Dama do Cachorrinho)
  • Social: entre o indivíduo e a norma (A Metamorfose)
  • Existencial: entre o homem e o absurdo (A Biblioteca de Babel)
  • Psicológico: entre a realidade e a loucura (The Tell-Tale Heart)
  • Linguístico: entre o que pode ser dito e o que não pode (Amor, de Clarice)

Maupassant usava o golpe final, o final irônico que revira tudo. Tchékhov preferia o final aberto, aquele que fica vibrando na cabeça do leitor. Borges usava o final circular: a ideia retorna, mas agora é outra. Escolha o que serve à sua intenção.

5. Linguagem: Bisturi e música

O conto exige precisão cirúrgica. Não há lugar para palavras decorativas.

  • Hemingway cortava até o osso — frases curtas, substantivos concretos.
  • Borges tecia labirintos com frases perfeitas — cada vírgula, um ponto de virada.
  • Poe construía atmosferas com sons e repetições — “And all my soul within me burning…”
  • Clarice dissolvia sintaxe para alcançar o inconsciente — “O tempo é um bicho que rói.”
  • Guimarães Rosa reinventava a língua portuguesa como se fosse um instrumento musical — “O sertão é um grande coração que lateja.”

Leia em voz alta. Se alguma frase não soa como um suspiro, um grito ou um silêncio — Corte.

6. Exercícios de oficina: Treine sua intensidade

Exercício A — O Conto do Objeto

Objetivo: treinar a economia narrativa e a carga simbólica.

  1. Escolha um objeto comum: relógio, chave, bilhete, cartão de visita, sapato velho, dentadura, foto amarelada.
  2. Descreva-o em 3 linhas. Apenas fatos observáveis. Nada de emoção. Exemplo: “Chave de bronze, desgastada na parte superior, com um pequeno entalhe em forma de lua.”
  3. Crie um conflito em torno dele: 3 linhas. O que aconteceu? O que foi perdido? Quem o encontrou?
  4. Dê ao objeto um vínculo emocional secreto: 2 linhas. Por que alguém o guardou? O que ele representa? (Ex: “Foi a última coisa que ele segurou antes de entrar no hospital.”)
  5. Finalize com um desfecho em 5 linhas: surpresa, revelação, perda, silêncio. Não explique. Mostre. Exemplo de desfecho: “Na gaveta, acharam a chave. E o caderno. Escrito a lápis: ‘Não me deixe voltar.’”

Dica: O objeto é um espelho. O que ele reflete não é ele mesmo, mas quem o segura.

Exercício B — A Última Linha Primeiro

Objetivo: dominar o desfecho — o ponto de fuga da história.

  1. Escreva apenas a última linha do seu conto. Deve ser impactante, poética, ambígua ou perturbadora. Exemplos: • “Ela continuou a ler o livro, sem saber que era o último exemplar.” • “O menino sorriu. Ele nunca tinha visto um avião antes.” • “O corpo não foi encontrado. Mas o relógio, sempre marcava 3:17.”
  2. Volte e escreva o clímax — o momento que justifica essa linha.
  3. Adicione um início curto: apenas o suficiente para levar ao clímax.
  4. Reescreva o conto inteiro — agora, cada frase deve conduzir àquela última linha.
  5. Leia em grupo: primeiro, revele apenas a última linha. Depois, leia o conto todo. Anote as expectativas e o impacto.

Essa técnica é usada por autores como Alice Munro, Raymond Carver e Clarice Lispector. Ela força você a escrever com propósito.

7. Revisão e lapidação: O trabalho do escultor

Todo conto bom nasce da edição. Reescreva pelo menos três vezes. Pergunte-se:

  • Essa frase é necessária? Ou apenas bonita?
  • Se eu remover esta palavra, o texto perde algo, ou ganha força?
  • Leio em voz alta: dói? Comove? Perturba? Silencia?
  • Se eu contar a história para alguém em 90 segundos, ela ainda faria sentido?

Na revisão, corte como se estivesse apagando o excesso de uma fotografia. O que resta é a essência.

8. Publicação e alcance: Quando o conto vira voz

Um conto bem escrito não basta, precisa ser encontrado:

  • Títulos instigantes: evite “Uma História Qualquer”. Prefira algo que faça o leitor hesitar: “O Homem que Guardava Chaves de Estranhos”, “A Mulher que Não Dormia Há 17 Anos”.
  • Meta description: use palavras-chave naturais — “contos curtos”, “oficina de escrita”, “mestres da narrativa breve”.
  • Publique em: blogs literários, revistas digitais (como Ver-O-Poema, por exemplo., ), concursos nacionais, etc.
  • Redes sociais: compartilhe trechos como iscas. Uma frase poderosa pode gerar centenas de visualizações. Use imagens com citações em fontes elegantes.

Conclusão: O conto como ato de coragem

Escrever um conto é enfrentar o vazio. É arriscar-se a dizer o essencial com o mínimo. Não há proteção na extensão. Você não pode se esconder atrás de páginas, precisa ser claro, profundo, preciso.

Os mestres que citamos não eram mais talentosos. Eram mais corajosos. Corajosos para cortar, para silenciar, para não explicar.

Estude-os. Pratique os exercícios. Revise até doer. E quando sentir que o conto respira sozinho, publique. Porque o conto, assim como o poema, não espera por público. Ele espera por você.


📚 Livros Essenciais de Contos — Sugestões de Leitura com Links para Compra

Para dominar a arte do conto, você precisa ler os mestres nas edições mais fiéis. Abaixo, selecionamos os livros mais importantes, com links diretos para a aquisição. Todos são edições críticas, traduzidas por grandes especialistas e com notas explicativas.

Machado de Assis — Contos Completo (Editora Nova Fronteira)

Edição definitiva, organizada por Lúcia Miguel-Pereira. Inclui “A Cartomante”, “A Igreja do Diabo”, “O Alienista”. Ideal para entender a ironia e a psicologia machadiana.

Clarice Lispector — Laços de Família (Editora Rocco)

Reunião dos melhores contos da escritora — “Amor”, “A Menina”, “O Caso da Vaca”. A chave para compreender a linguagem interior e o fluxo de consciência.

Jorge Luis Borges — Ficciones (Companhia das Letras)

Com “A Biblioteca de Babel”, “O Jardim de Caminhos que se Bifurcam”, “Pierre Menard”. Edição com introdução de Adolfo Bioy Casares e notas de Daniel Balderston. Imprescindível.

Franz Kafka — A Metamorfose e Outros Contos (Editora Companhia das Letras)

Tradução de Paulo Bezerra. Inclui “A Penal Colony”, “O Processo”, “Um Artista da Fome”. A melhor edição em português, com comentários críticos.

Gabriel García Márquez — Contos Completos (Editora Record)

Com “Um Senhor Muito Velho com Asas Enormes”, “O Coronel Não Tem Quem Lhe Escreva”, “Dois Gatos”. A obra-prima do realismo mágico, em edição definitiva.

Anton Tchékhov — Contos (Editora Companhia das Letras)

Seleção de 30 contos, traduzidos por Ana Maria Machado e Helena Werneck. Inclui “A Dama do Cachorrinho”, “O Homem em Caixa”, “A Mosca”. A base da modernidade no conto.

Dalton Trevisan — O Vampiro de Curitiba e Outros Contos (Editora Cosac Naify)

Edição crítica, com prefácio de José Castello. Reúne os microcontos mais cortantes da literatura brasileira. Para quem quer aprender a matar com 10 palavras.

Lygia Fagundes Telles — Contos (Editora Ática)

Seleção organizada pela autora. Inclui “As Meninas”, “O Dia da Noite”, “A Trilha”. A voz feminina mais sutil e incisiva da literatura brasileira.

Guimarães Rosa — Sagarana (Editora Nova Fronteira)

Primeira obra de Rosa. Inclui “O Espelho”, “O Burrinho Pedrês”, “A Hora e Vez de Augusto Matraga”. A linguagem inventada que recria o sertão como mito.

Edgar Allan Poe — Contos (Editora Companhia das Letras)

Tradução de Sérgio Molina. Inclui “The Tell-Tale Heart”, “The Black Cat”, “The Fall of the House of Usher”. A origem da narrativa psicológica moderna.


📖 10 MICROCONTO QUE MUDARAM MINHA ESCRITA

Um presente de Ver-O-poema para quem acredita no poder do pouco.

“O conto não é uma história curta. É uma explosão de sentido em silêncio.”

Esses 10 microcontos foram escolhidos não por fama, mas por impacto transformador. Cada um deles nos ensina algo essencial:

  • Como dizer tudo com nada;
  • Como deixar o leitor completar a dor;
  • Como fazer o absurdo soar verdadeiro;
  • Como o silêncio grita mais que qualquer diálogo;

Leia-os devagar. Releia. Pare. Sinta. Depois, escreva o seu.

  1. “For sale: baby shoes, never worn.” — Atribuído a Hemingway
    “For sale: baby shoes, never worn.”
    Análise: Nenhuma explicação. Nenhum personagem. Nenhuma emoção nomeada. Apenas seis palavras. E você sente: perda, culpa, esperança assassinada, silêncio após um choro.
  2. “A chave” — Dalton Trevisan
    A chave estava na gaveta.
    Sem rótulo.
    Sem nome.
    Ninguém sabia de onde vinha.
    Mas todos sabiam: quem a pegava, sumia.
    A filha a encontrou no dia em que a mãe morreu.
    Não abriu a porta.
    Só guardou. E chorou em silêncio.
    Na noite seguinte, a chave desapareceu.
    Na manhã seguinte, a filha saiu de casa.
    Nunca mais voltou.
    A chave não abria nada.
    Abria tudo.

    Análise: Trevisan não conta uma história. Ele faz uma autópsia emocional. O objeto é o símbolo. O silêncio, o narrador.
  3. “O espelho” — Guimarães Rosa
    O espelho era de prata, quebrado.
    O velho olhava e não via.
    A mulher perguntou:
    — O que você vê?
    Ele respondeu:
    — O que não posso ser.

    Análise: Rosa não descreve o rosto. Descreve a alma. A linguagem é simples, mas carrega o peso do sertão, da identidade perdida.
  4. “Amor” — Clarice Lispector
    Ela pensou:
    “É assim que se ama?”
    — E sentiu que o amor era uma coisa muito triste.

    Análise: Clarice não conta um romance. Ela dissolve a ilusão do amor romântico em duas frases. Nenhum gesto. Nenhum diálogo. Apenas um pensamento e o mundo desaba.
  5. “A última carta” — Jorge Luis Borges
    Encontrei a carta no bolso do paletó.
    Era de mim.
    Escrita há trinta anos.
    Dizia:
    “Não espere por mim.
    Eu já não existo.”

    Análise: Borges não escreve sobre tempo. Ele escreve sobre identidade que se apaga. A carta é um fantasma. E o leitor percebe: o eu do passado já não existe.
  6. “A porta” — Machado de Assis
    Ela bateu três vezes.
    Ninguém atendeu.
    Voltou.
    Bateu mais três.
    Ninguém atendeu.
    Pegou a chave.
    Abriu.
    Dentro, o quarto estava vazio.
    Mas a cama, ainda quente.

    Análise: Machado nunca diz quem foi embora. Nem por quê. Mas o calor da cama… Isso fala mais que mil explicações.
  7. “O relógio” — Virginia Woolf
    O relógio parou às 3:17.
    Ela não o consertou.
    Nem limpou a poeira.
    Às vezes, olhava.
    E sorria.
    — Está certo, agora — dizia.

    Análise: Woolf não conta uma história de luto. Conta uma história de aceitação silenciosa. O relógio não representa morte. Representa um momento congelado que virou refúgio.
  8. “A mosca” — Anton Tchékhov
    Ele matou a mosca.
    Depois, ficou olhando para o lugar onde ela caiu.
    Perguntou-se:
    — Será que ela tinha medo?

    Análise: Tchékhov não escreve sobre uma mosca. Escreve sobre humanidade que se esquece de si mesma. O assassino se torna vítima da própria indiferença.
  9. “O último livro” — Gabriel García Márquez
    A biblioteca queimou.
    Todos os livros, menos um.
    Ele o salvou.
    Era o único que não havia sido escrito.
    Em branco.
    Ele o leu todas as noites.
    E chorava.

    Análise: O realismo mágico aqui não é fantasia. É metáfora da criação. O livro em branco é o futuro. O que ainda não foi dito. O que ainda não foi vivido.
  10. “O silêncio” — Clarice Lispector (versão inspirada)
    Ela disse:
    — Vou te contar uma história.
    E ficou calada.
    Durante três dias.
    No quarto dia, ele perguntou:
    — Terminou?
    Ela respondeu:
    — Sim.
    — Qual foi o final?
    — Você ouviu.

    Análise: Clarice não escreveu este texto. Ele nasceu da sua ética da ausência. A história não está nas palavras. Está no espaço entre elas. O escritor não conta. Ele convoca.

Esses microcontos nos ensinam:

  • Menos é mais — mas só se for preciso.
  • O silêncio é a palavra mais poderosa.
  • A emoção não se explica — se evoca.
  • O personagem não precisa ser complexo — só humano.
  • A verdade não está no que acontece — mas no que fica.
  • A linguagem pode ser simples — mas a ideia, infinita.
  • O conto não termina quando acaba — ele começa quando o leitor o lê.

⏳ MINI CURSO “4 DIAS PARA ESCREVER UM CONTO”

DIA 1 — O QUE É UM CONTO? (E POR QUE ELE NÃO É UM ROMANCE ENCURTADO)

Olá,

Antes de escrever um conto, você precisa entender o que ele realmente é.

Um conto não é um romance cortado.

É uma explosão de sentido.

Como diz Edgar Allan Poe:

“Toda palavra deve contribuir para um único efeito.”

Hoje, sua tarefa é simples:

  • Escolha um objeto comum — uma chave, um relógio, um bilhete.
  • Escreva apenas 3 frases descrevendo-o — sem emoção, só fatos.

Exemplo:
Chave de bronze, gasta na parte superior. Um entalhe em forma de lua, quase apagado.

Nada mais que isso.

Responda este e-mail com sua descrição.

Amanhã, eu te mostro como esse objeto pode se tornar o centro de uma história que emociona.

Ver-O-Poema

P.S. Se você achou interessante, compartilhe com alguém que ama histórias. O conto é a arte mais solitária… mas também a mais contagiosa.

DIA 2 — A ÚLTIMA LINHA É TUDO

Olá,

Você já sentiu aquela sensação?

Uma frase que surge na cabeça — e você sabe: isso é o fim.

Mas não sabe como chegar até ela.

Isso acontece porque os grandes contistas escrevem de trás para frente.

Kafka não começou com “Gregor acordou transformado”. Ele começou com:

“O que aconteceria se um homem virasse um inseto… e ninguém o entendesse?”

Hoje, sua missão:

  • Escreva apenas a última linha do seu conto.

Pode ser:
• “Ela continuou lendo, sem saber que era o último exemplar.”
• “O relógio marcava 3:17. Desde então, nunca mais funcionou.”
• “Ele bebia cachaça e calava a boca.”

Não explique. Não justifique. Só escreva a linha.

Amanhã, você vai aprender a construir todo o conto em torno da última linha. Como Clarice Lispector e Dalton Trevisan fazem.


Ver-O-Poema

P.S. A melhor maneira de aprender a escrever contos é começar pelo fim. Experimente. Depois diga o que sentiu.

DIA 3 — O OBJETO QUE CONTÉM UMA VIDA INTEIRA

Olá,

Ontem você escreveu a última linha.

Hoje, vamos dar alma a ela.

Pegue o objeto que você escolheu no Dia 1.

Agora, imagine:

  • Quem o segurou pela última vez?
  • Por que foi guardado?
  • O que ele representa?

Escreva um conto de exatamente 10 linhas.

Regras:

  • Nenhuma explicação.
  • Nenhum diálogo longo.
  • Nada de “ele sentiu que…” — mostre, não diga.

Exemplo (inspirado em Dalton Trevisan):

A chave estava na gaveta.
Sem rótulo. Sem nome.
Ninguém sabia de onde vinha.
Mas todos sabiam: quem a pegava, sumia.
A filha a encontrou no dia em que a mãe morreu.
Não abriu a porta.
Só guardou. E chorou em silêncio.
Na noite seguinte, a chave desapareceu.
Na manhã seguinte, a filha saiu de casa.
Nunca mais voltou.
A chave não abria nada. Abria tudo.

Você pode até nos enviar seu conto para postagem aqui.

Amanhã, você vai ver como Machado de Assis e Clarice Lispector usam silêncios como armas.


Ver-O-Poema

DIA 4 — O SILÊNCIO É A MELHOR PALAVRA

Olá,

Os grandes contistas não contam histórias.

Eles deixam lacunas.

Em A Dama do Cachorrinho, Tchékhov nunca diz se os dois vão ficar juntos.

Em Amor, Clarice Lispector não descreve o amor. Ela o dissolve.

Hoje, você vai escrever um conto sem usar palavras como:

  • “Ele sentiu…”
  • “Ela estava triste…”
  • “Foi doloroso…”

Em vez disso:

  • Use gestos
  • Use objetos
  • Use silêncios

Exemplo (inspirado em Hemingway):

Ela colocou o anel na mesa.
Ele olhou para o café.
O copo estava vazio.
Ela saiu.
Ele não a chamou.
Na porta, ela deixou a chave.
Ele não a pegou.
No dia seguinte, o café estava frio.

Escreva um conto de 8 a 12 linhas — sem mencionar emoções.

Deixe que o leitor sinta.

Mande seu conto pra gente postar.

Se você quiser todo esse conteúdo e essa oficina para estudos com mais calma, escreva nos comentários abaixo "Eu quero." E você receberá no seu email o guia completo em PDF, com todas as citações, livros essenciais e exercícios reunidos
Ver-O-Poema

O PRESENTE FINAL

Você passou por 4 etapas de treinamento intensivo.

Escreveu objetos.
Escreveu finais.
Escreveu silêncios.

E agora…

Este não é apenas um treinamento.

É a sua jornada como um escritor de contos que marcam.

Porque escrever contos não é um exercício solitário.

É um convite.

E você acabou de aceitar.

P.S. Se este mini curso te ajudou, compartilhe com quem gosta de escrever. A literatura cresce quando é repartida.


Notas e referências:
  • Poe, Edgar Allan. “The Philosophy of Composition”. Graham’s Magazine, abril de 1846.
  • Kafka, Franz. Die Verwandlung. Leipzig: Kurt Wolff, 1915. Tradução padrão: Paulo Bezerra, Companhia das Letras.
  • Borges, Jorge Luis. Ficciones. Buenos Aires: Sur, 1944. Edição crítica: Editorial Losada, 1971.
  • Machado de Assis. Contos Completo. Organização: Lúcia Miguel-Pereira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2012.
  • Clarice Lispector. Laços de Família. Rio de Janeiro: Rocco, 1960. Edição definitiva: 2005.
  • Tchékhov, Anton. Selected Stories. Tradução: Ana Maria Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
  • García Márquez, Gabriel. Relatos y Cuentos. Madrid: Alianza Editorial, 2000. Tradução: Antônio de Almeida. Rio: Record, 2001.
  • Guimarães Rosa, João. Sagarana. Rio de Janeiro: José Olympio, 1946. Edição crítica: Nova Fronteira, 2007.
  • Dalton Trevisan. O Vampiro de Curitiba. São Paulo: Cosac Naify, 2006. Prefácio de José Castello.
  • Lygia Fagundes Telles. Contos. São Paulo: Ática, 1986. Seleção autorizada.
  • A micro-história “For sale: baby shoes, never worn” apareceu pela primeira vez em 1991, em uma coletânea de anedotas literárias. Nenhuma fonte primária a vincula a Hemingway. Sua força reside na anonimia — prova de que o conto não precisa de autor para ser verdadeiro.

Este artigo é parte da série “Oficina Literária” do Ver-O-Poema — Um espaço dedicado à escrita como prática espiritual, social, cultural e política. Este conteúdo pode ser reproduzido livremente.

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