Poemas do livro Aquatempo
I
e pensar que és apenas transitório
um frágil equilíbrio de vida
líquida e fêmea
sobre a linha d’água
fluindo no tempo
finito em ti
VI
os olhos da restinga te espreitam
repousa teu cansaço
sob o olhar do que te guarda
verde vigília
…
abre tuas guelras
vai chover
e haverá um rio suspenso no ar
VII
cheiro-de-rio-voltando-chuva
margem de pouca reia
raízes vestidas de limo
o barco furando o vento
proa-feito-faca-de-dois-gumes
singrando o horizonte
a quilha cortando a pele do rio
líquido-espelho
crivado de lanças d’água
a espera crescendo na correnteza
e tua sempre verde memória
bordada com o fio do tempo
XIX
buscas sempre pela palavra mansa
mas ela sempre se esguia de ti
pedaços de ti
gritos
silêncios
resta-te o desassossego de existir
assim…
fronteiriça e dual
ora explodindo
correndo como um rio
de brava correnteza
ora exausta
como água de remanso
despida de tempo
inerte
à míngua do canto
e da dança do vento
XXII
sonharás com o rio
tuas ausências
irão penetrar como lâminas
nos tímpanos do sonho
o rio falará contigo
irás chorar
tua dor caberá no rio
e o rio caberá em tuas lágrima
…
Wanda Monteiro, escritora e poeta, nascida às margens do Rio Amazonas, em Alenquer, no Pará. Mas, reside há mais de 30 anos no Rio de Janeiro. Advogada, mãe de três filhos e autora dos livros O Beijo da Chuva, Anverso, Duas Mulheres Entardecendo e Aquatempo.
