
ADHA Seu rosto é como a lua. Ela, a moça que tem brincos em formato de peixe faz Krishna dançar em lilas de amor dançarino. Seus olhos são iguais a pássaros dançantes. Ela, cujo rosto é como a lua. Cega de amor, dança vestida de carmesim flor de lótus nos cabelos. Ela, cujo rosto é como a lua só deseja ter um milhão de olhos sem pálpebras, para ver sem piscar as infinitas faces de Seu Amado. BOSQUE DE RADHARANI “flor com mil olhos de água” Hilda Hilst manhã de neblina (cachoeira-branco- azul-do-céu): pés cruzam ponte de madeira molhada pela chuva até o campo de pétalas açafroadas. Barro, lanternas de pedra, formigas que carregam folhas, flores roxas e amarelas. No bosque de Radharani — moça com olhos de lótus e voz cantante de mel — tudo canta-encanta: olhos-de-água cantam-encantam flores brancas cantam-encantam borboletas negro-azuis cantam-encantam até as pedras cobertas de musgo cantam-encantam. Nada existe além do aroma úmido e dos ruídos do rio. (Todos os rios oram por Ela que se banha à meia-noite). (Todos os rios oram por Ela que dança com os pés pintados de vermelho.) Nada existe além das árvores de troncos inclinados pinhas queimadas folhas e gravetos. Porque tudo o que existe vem Dele, vem Dela, vem do Ele-Ela em mil danças de amor dançarino. Pergunte às árvores. Pergunte aos rios. No bosque de Radharani — aquela que encanta o encantador o encantado encantável Govinda-da-face-azul-lótus-negrume — tudo é canto-encanto. (em Nova Gokula, 2024) NITYANANDA Ele o louco! Ele, o louco de amor! Ele que é dois: o amor e o Amado. Ele que é dois: o dançarino e a dança. Ele-Aquele cujos pés brilham rebrilham como milhares de luas e sóis. Presto reverências ao Senhor Nityananda! Ele-Aquele, o de pele vermelho- dourada. Ele-o-Outro cujo pescoço é untado com polpa de sândalo. Presto reverências ao Senhor Nityananda! Ele-Aquele-o-Outro, que sempre canta os nomes de Radha e Krishna! Por favor, escutai minhas poucas palavras. Minha mente é louca, louca! Ela se move como um peixe na água, oscila de um lado a outro não tem paz! Minha mente é louca, louca! Ela corre-corre como o elefante na floresta não tem paz. É tão difícil viver neste mundo com a mente descontrolada! Por isso, presto reverências ao Senhor Nityananda! Ele-Aquele-o-Outro que sempre canta os nomes de Radha e Krishna! Esta mente este mundo têm menos sentido do que a água contida na pegada da pata de um bezerro. Que o Senhor Gauranga tenha misericórdia. Que o Senhor Nityananda tenha misericórdia. Se tudo é loucura se tudo é insanidade entre ser louco neste mundo vaga mundo e ser louco de amor na dança-dançante-dançada do dançarino de todas as danças mostrai-me o caminho dessa última suprema loucura. Oh Senhor de pele vermelho-dourada!
Autor
-
Claudio Daniel é poeta, romancista, crítico literário e professor de literatura. Nasceu em 1962, na cidade de São Paulo (SP). Cursou o mestrado e o doutorado em Literatura Portuguesa na Universidade de São Paulo (USP). Realizou o pós-doutoramento em Teoria Literária pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Foi diretor adjunto da Casa das Rosas, Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura, curador de Literatura no Centro Cultural São Paulo e colunista da revista CULT. Foi editor, por vinte anos, da revista eletrônica Zunái. Atualmente, Claudio Daniel é editor da revista impressa GROU Cultura e Arte e ministra aulas online de criação literária no Laboratório de Criação Poética. Publicou diversos livros de poesia, ensaio e ficção, entre eles Cadernos bestiais: breviário da tragédia brasileira, Portão 7, Marabô Obatalá, Sete olhos & outros poemas e Dialeto açafrão (sob a lua de Gaza), todos de poesia, o livro de contos Romanceiro de Dona Virgo e os romances Mojubá e A casa das encantadas.