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Até quando você vai torcer o nariz e achar que não precisa ler Shakespeare? Eis o templo humano em forma de palavra

Ler Shakespeare é entrar em contato com o coração da literatura, ou com algo que parece maior do que literatura: é reconhecer, em versos escritos há quatrocentos anos, a pulsação da nossa própria e imensa humanidade. Harold Bloom (1998) afirmava que Shakespeare “inventou o humano” porque deu às suas personagens contradições, hesitações e profundidade psicológica, até então, inéditas na literatura. Não são apenas figuras do passado — são espelhos do presente.

Em Hamlet, a célebre indagação “Ser ou não ser, eis a questão” não é o dilema de um príncipe dinamarquês, mas um grito universal sobre a fragilidade da existência. Em Otelo, o ciúme se traduz em tragédia. O próprio protagonista exclama: “Ó, cuidado, meu senhor, com o ciúme! É um monstro de olhos verdes que zomba da carne de que se alimenta.” (Otelo, Ato III, cena III). Em A Tempestade, Shakespeare nos lembra do caráter transitório da vida (e da arte?): “Somos feitos da mesma matéria dos sonhos, e nossa pequena vida é rodeada pelo sono.” (A Tempestade, Ato IV, cena I).

Essas passagens atravessam séculos porque não falam apenas de reis ou amantes, mas de todos nós. O crítico Jan Kott (1965) dizia que Shakespeare é “nosso contemporâneo”, pois sua obra ilumina estruturas de poder, paixões e medos que se repetem em qualquer lugar e tempo.

Sua produção literária é vasta e diversa, abrangendo tragédias que sondam a escuridão da alma, comédias que celebram o riso e a astúcia, peças históricas que dramatizam o poder e a política. Entre as mais conhecidas estão:

  • Tragédias: Hamlet, Otelo, Macbeth, Romeu e Julieta, Rei Lear, Júlio César, Antônio e Cleópatra.
  • Comédias: Sonho de uma Noite de Verão, Muito Barulho por Nada, As You Like It (Como Gostais), A Megera Domada, Doze Noite.
  • Peças históricas: Ricardo III, Henrique IV (Partes I e II), Henrique V, Henrique VI (trilogia).
  • Romances tardios: A Tempestade, Conto de Inverno, Cimbelino.

Aos que escrevemos, Shakespeare é uma escola silenciosa e poderosa. Suas peças ensinam como a linguagem pode criar tensão, o ritmo das falas constrói emoção e as metáforas ampliam o alcance da experiência humana. Stephen Greenblatt (2004) lembra que o dramaturgo dominava “a arte de dar voz ao inominável”, mostrando que a escrita não é apenas comunicação, mas invenção e instauração de novos mundos.

Ler Shakespeare é mais do que um ato de fruição estética: é exercício de formação, convite a experimentar a profundidade da palavra. Em seus versos, descobrimos que a literatura não precisa envelhecer — basta tocar aquilo que permanece em nós.

Referências

  • BLOOM, Harold. Shakespeare: The Invention of the Human. New York: Riverhead Books, 1998.
  • KOTT, Jan. Shakespeare, nosso contemporâneo. São Paulo: Cosac Naify, 2003 [1965].
  • GREENBLATT, Stephen. Will in the World: How Shakespeare Became Shakespeare. New York: W. W. Norton, 2004.

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