Sumário
Escarro
porque voltaste ao rio se por onde um dia fez fita de tudo que passou, lembra?
me recordei da água te levando como uma lenda furando o buraco que um dia levou os pertences de um estranho da natureza
foi lá, justo lá, que escarraste na boca de todos os que desapercebidamente lhe desejavam bom dia
lembro como se fosse hoje, no fim da escadaria, surgiu uma revoada de pássaros, e voce com sua cara assassina levou tudo pro lado da discórdia
outro dia por causa de um pão, você matou o chefe do turno da padaria, com sua gargalhada como nunca se ouviu antes
temente a Deus, você nas suas arruaças, gemia quando via as mulheres nuas, satisfazendo com as suas mãos o seu circo burlesco
nada te reporto mais, só que ultimamente te vejo acabrunhado, como se possível fosse possível lhe ver assim
penso que foi por causa da calúnia onde, um dia, descaradamente mordeu os mamilos daquela senhora, e você foi se esconder por trás do guarda-roupa
você, te digo, não vale nada, nem mesmo quando estava perto de morrer, quando me disse que faria tudo novamente.
Perversidade
transpiro a monstruosidade das nuvens
intimo meus astros do fruto proibido e impuro
manivelas do furor do futuro rasgo como a pupila da sombra e dos meus vestígios
corro atrás da minha sombra
como um canteiro de vampiros e bombas
tudo milimetricamente curado
como as réstias das rosas mortas na estrada
culpo o sol por todo devaneio dos meus ombros
triturados como compressa do vento infame que faz hoje
e a peneira que me olha e vai embora
tudo desarrumado
entre o poente e a hora de dormir
mesmo que a distância apareça gosto do barro batido entre as dobras desse inverno
sim, sou cruel como um débil funcionário dos meus ócios
entre o óculos imprestável e essa restinga engravidada de ripas da ladeira mofada
como assoalho que embala empalha lacra costura e embrulha.
Acié
jorro dos fins, dos inícios, dos intermediários ventos urbanos
como prumo de tantas retas no encalço dos meus ímãs das encostas e retornos
rio do jorro do porte da outra margem
como aventuras de revoltas e fugas
de um centro centrífuga da retina que me olha e regressa
ante o antes o e depois dos meus olhos estáticos e estéticos das paredes e curvas
brusca busca por entre o enredo do triz e confins de tudo que se encontra no meu entorno
uma insensível insensatez seta como prumo dessa reta sem descanso
tudo tão longe e tão perto de mim desperto
desfecho dessa praça desse encalço desse desvio desafio de tanto prolixo paralelepípedo que me estoca
e como fim me separo de mim e do destino que me trouxe.
Relés Boquiaberta Podridão
rasga sua garganta
e entope ela com seus gargalos
enrosca seus catarros dentro da distopia por sobre a multidão miúda de tanto dissabor no meio dia da avenida sem cálcio
costura seu cóis com a múltipla oficina dos horrores bucais, entrelaçando seu intestino sobre toda apócrifa bulimia
rasgue a goela da sua língua com estiletes do imundo lixo desritmia
pule a cerca do que a vida inunda das incontáveis mazelas, cortina dos pavores do fundo da horripilante infectologia
reme na miséria da desgraça alheia entre cercas de cáries, cadafalso das penumbras escuras do intestino envelhecido por tanta empanturrada porcaria.
Íntima Desconhecida Desgraça
pelo resto do rosto da cidade meu corpo se fecha pelo seu dorso como um pêndulo sem pés, sem mãos
é como se eu fosse o nome desconhecido do que sou em penumbras
me fechar e viver entre asilos caseiros
como um profeta do indescritivel véu
tudo como uma redoma por onde apressadamente me fecho
noite repleta de estrelas solitárias no céu do meu quintal esperando esse meu hoje demente
entre o enredo do sim no começo e a irrefreável escuridão dos meus olhos intransitáveis
tempo por onde, no esconderijo, meus pés e mãos são proscritos como minha própria alma abandonada e sem giz
como se só assim possível fosse encara-la e adormecer entre as dores na floresta do acúmulo do nada
quando no outro dia desperto, corro,
me assusto com a relva que me leva
entre destroços comprimidos dessa infinita selva
entre a ânsia do ser que me olha e do outro se escondendo de espantos quando me ignora.
Autóctone
uma enorme horda vaga pela estreita rota por onde os desaparecidos sumiram
esse rito a procura da sua identidade perdida
mil sóis como a ecoar a distante oração de tantas relíquias do que o humano foi capaz de se voltar para seu próprio credo
foi sempre assim como uma lâmina das coisas fugidias entre o solar dos desprezíveis espaços esquecidos
era tudo o que o Sol desejava, ficar próximo do arco por onde o amanhecer do amor sempre foi uma utopia sem espelho, sem luz, sem brilho
mesmo que a rotação da Terra não estivesse compreendo o cíclico porão das coisas inanimadas, únicas, desprovidas do que o tempo das luzes, suplica
na outra margem desse ciclorama, a frenética ordem de todos os seres alucinados como a raíz de um sentimento estranho fez do Universo pelas entranhas noturnas, seu pardieiro
a morte sempre pousou permanentemente no coração dos suicidas sem porto
na eternidade como um vôo sem pouso, o sangue do respiro das infindáveis gerações autóctone desintegrou-se como ogiva do suplício do eterno retorno ao útero dos milagres perdidos.
Cítrica Tumba
entre meus heréticos pés, baratas
febrilmente horda do desprezo da face da noite abandonada, encorpam como pasto do rosto dos meus restos, sumo avermelhado das cruzes empalhadas desaparecidas
como labaredas fogueiras arrastam-me para seu respiro do charco vadio
esquálido, esquizofrênico, senil, triz
trucidam-me mais minhas costas, eu suplíco
pelos famigerados sumidoros a quantidade desses insetos cada vez mais farejam meus pés, corpo das inumeráveis homilias dessa lápide, perdição mais tenebrosa das raízes, recipientes insipidos do desterro
olor noturno dessa ávida horda mísera osculta o ébrio muro das aberrações entre suas línguas, devoração tumular como rito sudário
arrasta-me mais alaúde das trevas
faz de mim seu criadouro com suas infatigáveis enormes hastes, garras descomunais dessa fétida gruta por onde o além herege, me serve
em delírios elas me devoram
consumindo meu sangue como calibre do salobro infecto, dilúvio dos seus suores, profundezas entranhas do vil pulmão, hemisféricas sombras da escuridão profunda
escravo dessa algazarra por onde entre defumadores da multidão da rua insana incineraram minhas febres e holocaustos
dilúvio dos remoídos ossos, fétida mórbida fratura cadáver flúor estrangulando horrores entre meus pés.
Incompletude
arrasto-me pelos cantos das paredes como se fosse um intranhavel reboco dos meus esquálidos olhos perdidos
vou de um canto a outro e o desassombro é contínuo, como um perigo pigmentado da fornalha dos meus pés índoceis e malcriados
como uma víbora sem pele, déspota das imprevisíveis incrustações por todo o impossível entorno
como se pelo escaravelho pudesse me olhar no espelho e morrer como um desastre desse incontrolável espanto
túnicas e mais túnicas como linhagens díspares, me encobrem, tal ruma do arrazoado do que me resta entre frestas sujas, mofadas, imprestáveis
torço e estrangulo meus pulmões aniquilando de vez esse ar parapeito de serviçais escarros e escárnios de uma gruta espúria, uma resma súbita de lareiras escorregadias e covardes
desse assunto desde como afastar-me de tanto retiro imprestável da minha vida, testiculas cavernas, proscrito capim aveludando maléficas maldades, sórdido dorso, espremido rescaldo, arremates ratoeiras por todos os lados desse espírito que me osculta e desgrama.
Autor
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Carlos Gurgel poeta natalense desde início dos anos 70, sacolejando seu verbo como uma embarcação nômade repleta de anunciações e despenhadeiros. já publicou vários títulos, vide Apaixonada Poesia Louca, um cd Labaredesconderijo, como curador de vários saraus, tal Belo Bafo da Boca. Está finalizando novo livro: Escambo do Caos. Para ele viver é como tecer entre os desmaios dos sois e luas, a face de um novo verbo torto, repleto dos abandonados espelhos por tudo que se afasta e redime.