Só Nós Próprios
Só nós próprios nos podemos reconstruir
ninguém é interior aos nossos medos
ninguém respira a nudez da nossa solidão
ninguém conhece os muros do nosso labirinto
só nós próprios, gesto a gesto, palavra a palavra
podemos ser oferenda aos nossos abismos
e atravessar o impossível para nos reunirmos
à esperança dos céus matinais
só nós próprios podemos pintar de branco
a casa do nosso combate
e plantar a claridade no jardim do amanhã
só nós, impiedosamente nós próprios
Ilusões
Brincas…,
escondes-te atrás de uma gota de chuva,
e depois de outra, e de mais outra.
Começas a ter de ser mais rápido
Depois tens de correr,
correr muito, correr sempre.
A brincadeira cansa, dói.
Já não é brincadeira,
está encharcado
Água, água, e mais água,
chuva torrencial,
cuidado para não morreres afogado
Cuidado com as ilusões…
Longe
Caminhei por tantas penínsulas de alma…,
Que procurei?...
Que o vento me afagasse os cabelos?
Que safiras me subissem pelo corpo?
Que restou? Com que fiquei?
Com isto…,
com o nunca ter deixado de ser véspera,
com o nunca ter deixado de ser côncavo
À espera;
de um sino ou de um Setembro,
de uma janela ou de um Janeiro,
- à espera não sei de quê
Caminhei…, fui-me dividindo,
fui-me entregando aos cânticos
de conchas a nascer de poentes,
e de macieiras sempre longínquas
Agora estou no horizonte,
longe do lugar de onde parti,
acomodado às ervas,
que não sei se são daninhas
Vesti-te com uma gota de orvalho
Vesti-te com uma gota de orvalho
peguei-te na mão
e dançámos descalços
sobre a areia de uma praia
que um beijo fez só nossa
Os primeiros olhares da aurora
tocaram-nos
num ângulo cúmplice
Lançavas a cabeça para trás
e rias
o mar também
levando com ele
tudo o que não fosse
o luar
de que ainda éramos feitos

Lido! Uma bela poesia!