O poeta José Antonio Gonçalves nos apresenta poemas inéditos

Poemas do livro O Pouso da Libélula – poesia contemporânea
Imagem poética representando o livro O Pouso da Libélula

Poemas do livro O Pouso da Libélula

José Antonio Gonçalves

VIAGEM ESPACIAL

Em uma época como a nossa, quando há um aparente eclipse de utopias, a rebelião romântica, individual, continuará a contribuir para a transformação do mundo. Claudio Willer, Fevereiro de 2004. Poemas para ler em voz alta: poesia reunida
todos os dias são iguais
todas as noites são iguais
acontece algo diferente 
quando alguém se aproxima da gente 
então a mente se inflama 
e o coração agradece 
pela felicidade que acontece 
só num instante
equivalente à eternidade
um lírio gera delírios 
uma rosa é sorte na estrada 
um jardim é a morada da paz
uma travessia incentiva o caminhante
um grito nem sempre é de despedida 
um abraço forte elimina o cansaço
uma história de amor 
permanece eterna 
no retrovisor

ONDAS

Quero a palavra mínima, a poeira dos atos, os grãos de areia. Vejo partículas azuladas sobre ondulações de luz ou na brincadeira da poeira levantada pelo vento. Malu Ferreira Alves, Dytiká
1
fragmentos de sombras invadem os trópicos 
o gozo é um impávido colosso 
o forno queima as almas livres 
a opressão é contínua e transformadora 
Isadora Duncan não morreu no palco 

o desastre na ponte é mais que verdade 
o mar invade a metade da praia 
a hora do almoço é sagrada 
a mesa está posta sob o caramanchão 
a desordem, unida pelo refrão, é nova canção
2
escrevo rápido porque a morte vem e ninguém nota 
as botas fervem no barro 
os gatos comandam a competição 
há esperança de novas alianças 
tudo vai bem em Baependi e em Belém 

o universo é o único verso livre 
o boneco de piche é de mentira 
morte aos infiéis do Norte!
uma aluna livre vive no meio das feras 
até que enfim, outro sinal de giz na lousa
3
três indivíduos comandam a revolução 
chega de risos contidos, na recreação 
Caim caminha com a humanidade 
Abel é réu por sua bondade ofensiva 
um estranho vive cantando no ninho 

só o vinho tinto é sangue 
a água e os peixes anseiam por milagres 
o mar é o avesso do pomar 
raios e rios têm assinaturas diferentes 
lagos são malvados: recebem bem os afogados
4
neste ano, reparem em meu rosto novo 
os vulcões e as lavas imitam trovões e escadas 
as emoções esperam a voz do cantor 
desprezar tentações é pecado mortal 
as vilas invejam as cidades 

o bom do humor é apontar o vencedor 
a rosa perfumada fica abandonada na grade 
todos nós somos anormais diante da curva 
os seios satisfazem a fome em dose dupla 
um tridente assume a direção da tempestade
5
de repente, o trem passou e o céu avermelhou
sinto no corpo a indicação do caminho do horto 
querida, viva a sensação do serviço concluído 
última chance de seguir os inocentes 
a certeza das veredas persistentes é um prêmio 

a correnteza infinita é lenta como a crista da onda
as parreiras reclamam das saúvas bêbadas 
as loucuras caem no chão como uvas maduras 
as fantasias são amigas convidadas para as festas 
na mata escura, todas as frutas sucumbem
6
a chuva traz esperança de viagem para o Sul
é possível prever o futuro do alto do muro
dragões e magos caminham nas alturas 
fotografias trazem verdades do Além
relâmpagos assustam a aldeia nova 

a onça-parda começa a caçada parada
javalis se escondem na sala de poeira 
o fogo do céu é o maior castigo na terra    
os oráculos estão certos, em livros abertos 
letras de poemas são diamantes que dançam
7
tudo passa rápido no tempo circular 
a memória conta a falsa história da verdade
lágrimas invisíveis sempre escondem segredos 
a perda fere o lado esquerdo do peito 
uma lembrança alcança a velha aliança

nem sempre o esquecimento atinge o alvo 
o sol não brilha de repente, depois do vento 
vejo, da janela entreaberta, a cor amarela 
a alquimia traz uma taça de prata 
quem diria, está viva a mulher dourada

FOTOGRAFIAS

passagem do tempo 
parado no nascimento
da madrugada
alinhamento de nuvens 
protege os edifícios 
dos raios do sol
o ouro da manhã
ilumina arranha-céus 
e casebres
a noite esconde 
a eternidade 
e o sentimento do mundo
quando surge a luz 
certeza da presença
da arte de viver
cruzes ao longe 
corpos vivos 
em paz
campo e cidade 
enganos e mágoas
repouso e velocidade
degraus celestes 
vistos da janela
do quarto fechado
um novo dia 
a eterna poesia
é noite de amor
paraíso na terra 
muitos 
preferem a guerra

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Autor

  • José Antonio Gonçalves

    José Antonio Gonçalves - Nasceu em Mogi Mirim (SP), em 2 de abril de 1941. Formado em Direito pela PUC, reside na capital desde 1965. Foi Procurador e Auditor da Prefeitura de São Paulo. Seu primeiro livro, publicado em 2010, traz a influência desse grande sertão que é o interior do Brasil, com seus espaços e sua religiosidade. Tem uma extensa obra inédita em que predominam poemas curtos. Em preparação final, uma série escrita durante a pandemia, incluindo crônicas e contos. PUBLICAÇÕES Livros: O amor nos sertões: fragmentos (2010) Eu que não creio mas rezo contrito (2017) Cavernas arenitos e poemas (2018) Corpo em mim (2019) Ecologias (2021) Anjo Escolhido (2022) Fotografias e Vinhos - Perda de Sinal - Surpresa do Encantamento (2023) Luzes da Infância - Rituais Extremos - Pontos de Encontro - Estante de Linhas Estonteantes (2024) Anúncios - Voos e Delírios - Jardim Velho - Caderno de Tankas (2025) Participação em Antologias: Ficus Pertusa (na série "Cerrado e sustentabilidade”, Ed. Assis, 2020) - Espionagem (“Testemunhas Oculares”, Ed. Pantemporâneo, 2024) - Rio Doce, fogo falso verdadeiro (“Novos Versos”, Ed. Primata, 2024) Plaquetes: Bichos Bravos (Ed. Primata, 2021) - Invasão Noturna (Ed. Córrego, 2022) - Colagem coragem (Ed. Primata, 2023) - A Cor do Jambo (Ed. Primata, 2024)

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