Moçalinda e seus maridos

Moçalinda, apesar de sua beleza e riqueza, vive uma sina: seus maridos, embora diferentes em nome, parecem cortados do mesmo pano, sempre prometendo o céu, mas entregando apenas poeira.
No passado, fora casada com Portulino, um homem de modos requintados, mas de coração frio. Ele chegara do Este em um navio, prometendo uma grande casa com jardins floridos e celeiros fartos, além de pontes, estradas e escolas. Tudo, porém, era um véu para encobrir seus interesses pessoais. Na prática, ele enchia os próprios cofres com os tesouros de Moçalinda e os levava para além-mar. Enquanto isso, ela, forçada, trabalhava dia e noite: plantando, colhendo, carregando água. Portulino limitava-se a escrever cartas para amigos de outras terras, vangloriando-se de sua “esposa fiel”.
Marcas de ferro sulcavam sua terra. Humilhada, Moçalinda era estrangeira em sua própria casa, considerada inferior aos que vinham de além dos oceanos, apenas porque seu solo, embora fértil, era negro. Cansada, ela sonhava com liberdade. Foi então que, numa manhã de 1962, surgiu Fraudelimo, um filho da terra, com discurso ardente. Ele jurou libertá-la de Portulino, prometendo um futuro onde ela seria dona de si mesma.
— Vou dar-te a casa que mereces, Moçalinda! — exclamava, de punho erguido. — Nada de exploradores! Vamos construir juntos, com nossas próprias mãos!
Após anos de luta, em meados de 1975, ele finalmente expulsou Portulino, que partiu derrotado. Cheia de esperança, Moçalinda aceitou Fraudelimo como marido e celebrou a tão sonhada independência.
Os primeiros dias foram de festa. Ele organizava banquetes em que todos cantavam hinos de liberdade. Moçalinda acreditava que, enfim, teria uma casa sólida, com paredes firmes e telhado sem goteiras. Fraudelimo discursava inflamado. Mas o tempo passou, e a casa permaneceu a mesma: chão de terra batida, telhado furado.
Moçalinda logo percebeu que seu novo marido, apesar da retórica, agia como o antigo.
Por volta de 1977, das florestas surgiu Renamino, um guerreiro calejado, com cicatrizes que narravam histórias de resistências e um coração ardendo por justiça e poder. Ele não se contentava em ver Fraudelimo como o único marido de Moçalinda; também queria algum pedaço dela e, por isso, jurou libertá-la. Reuniu aliados, homens e mulheres das aldeias, forjou armas na sombra e preparou uma revolta. Contudo, seu levante cresceu como um rio em cheia, cortando a própria Moçalinda, e o sangue manchava o solo que ambos chamavam de lar.
Fraudelimo aproximou-se de Renamino com uma bandeira branca:
— Por que tanta matança, meu irmão? Que os filhos de Moçalinda decidam quem deve ser o marido dela daqui para a frente. Eleições livres, justas e transparentes, que tal?
Renamino, buscando evitar mais mortes e acreditando ter alcançado seus objectivos, aceitou.
Fraudelimo conhecia como ninguém os caminhos do poder. Enquanto Renamino pregava esperança, ele manipulava urnas: boletins de voto desapareciam ou apareciam, conforme seus desejos. E os votos cantavam sempre a mesma canção, a da vitória de Fraudelimo. A assembleia, que deveria ser a voz dos filhos de Moçalinda, tornou-se um teatro com Fraudelimo como único protagonista.
Com o poder assegurado, ele abriu as portas a forasteiros de sorrisos tortos e olhos gulosos que esvaziam os tesouros de Moçalinda e, em troca de promessas de apoio, enchem apenas os bolsos de Fraudelimo.
— Tens que ser o eterno marido de Moçalinda!”, exclamam, certos de que, com ele como marido, seus lucros estão garantidos, e um novo homem pode estragar a festa e isso não pode acontecer.
Não importa o que ocorre, os amigos de Fraudelimo sempre dizem: ele é, de forma livre, justa e transparente, o legítimo marido da Moçalinda.
Outros homens apareceram ao longo dos anos: o jovem Idealisto, que falava de igualdade, e o sábio Reformino, com planos detalhados. Mas Fraudelimo não admite concorrência. Por se considerar o “Libertador”, julga-se no direito de fazer e desfazer com Moçalinda. Alguns críticos são cooptados em seus banquetes e param de lutar; os que resistem desaparecem sem deixar rastros.
E Moçalinda, ainda com a casa de chão de terra batida, telhado furado e cofres cada vez mais vazios, continua a perguntar-se se um dia será livre e dona do próprio destino.
— Jeremias A. Muquito
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Saudações, Geremias! Uma narrativa interessante. . . Muita criatividade!