Maresia
Olhos de labirintos
Profundos no horizonte
Caixa torácica de palpitações
Que diz do corpo rio e afluentes
Não digo verdades
Mas não minto
Tenho dedos a tatear na sombra o vício
A oculta página desfigurada
N
De agora em diante
Ou de trás para frente
Pós cegueira
Tudo parece aquarela, misturada em luz
Mas o gosto doce que provei nascente, ou
O gozo e o sal do mar gigante
Me tocou poesia
E poesia é visão além
Às vezes alucina
Impregna
Desorganiza
Às vezes rima
Mas
Sou desprovida
Às vezes revira o estômago
Pelo espanto do soco
Da repulsa dada
…enjoo
Suor na pele do poema inútil
Ermo
Combativo
Maresia que corrói
Diante à cegueira e o descaso
…tudo parece meio amor
A Palavra Oceano
Há na doca
Um corpo errante de palavras ditas
Sussurro e
Salivo ao dizer do mar, um poema
Entre suores e calafrios
O poema correnteza sobre meu corpo
Me desafia
Digo desafinada – canto –
Em recitais de esquecer
Nadadeiras irisadas
Ao reflexo, água e sol
Um corpo ao léu se pronuncia ao mar
Que ama?
Sem saber se avança
No engano das ondas
Ou se recua?
Poeta… um corpo errante
É este meu corpo que surfa
Entre desejo de um mergulho, só
E banhos à sombra
É um corpo que teme entrega
Mas que não nega
O que provoca nele
O tremor de um poema
O vapor
Inebriante que leva de arrasto
A voz da poeta
A brincar com a língua na boca muda
A palavra – oceano –
Ao sonhar com o corpo
Do poeta imenso
Sobre a palavra gozo
Na carne crua
Que desperta esquecida
Umidade relativa – absoluta
Movente Duna
o corpo de poeta
já fora
movente duna
inquieto
um dia estava aqui
noutro, um quilômetro adiante
mergulhou oásis
e ao olhar para trás
as águas castanhas pelas folhas mortas
dos dias de rio de Virgínia Wolf
correu veio d’água
filete entre seixos
igarapé
e diante do mar imenso
preso num dique
endureceu em escamas
cristais de sais
insolúveis
o corpo que resiste
estanque
vai e vem das espumas
em dias de frio
e ressaca
mas em dias de vendavais
o ar tempera o clima
e sua maresia impregna todo entorno
e punem tal corpo
que em seu desgaste
se perde e dilui
feito ferro em liquescências
frente ao mar que esbraveja
um sonoro…
– vem, e vai… –
ao bater contra as rochas
nunca volta
ou diz das mesmas águas
que busca o corpo perdido pelos ares
o poeta e seu cansaço
voa
por natureza por instinto… de águ a
salina
um plano imenso azul
marinho, logo ali
cortado por uma risca anil
que divisa, lá distante
e sustenta acima um outro azul
celeste clarinho, que dissipa
escorre em salivas brancas
por sobre a areia bege, espumantes
e paira em bandejas
quadradas e retangulares
por dias a fio
as salinas
são línguas
que bebem do mar o seu avanço
e impedem o recuo
como a pele, são lâminas
onde secam ao Sol
o sais
e o ar impregnado de maresia
é como se
por sobre a paisagem
absurda
a natureza
temperasse a vida, a gosto
incansável e ardente
feito o amor quando tem fome, e sede
Um Resquício de Mar
o Mar aqui, esteve suspenso em nuvens
que na lentidão das coisas fez, garoa
me lavou a alma
…e se banhou
em minhas marolas
minhas lorotas tolas
antes grudada aos rochedos
desgrudou minha casca de ostra
em que eu borbulhava
gota a gota
me deu asas
e naveguei rotas
fui lesma
lenta, lerda como sempre
cheia de sede da boca do Mar
que em mim, foi gozo
jorro na minha língua
pérola
e partiu
Oceano inteiro
aqui, um resquício de Mar dentro
me deixou Atlântica
cais
escrevo poemas em mastros
de embarcações
que em mim, atracam
poemas de hastear bandeiras
guerra
Paz
Zona proibida
Imprópria a grandes embarcações
Ancoradouro de pequenos veleiros,
Saveiros e traineiras
Tem horas que só os pássaros passam
Tem horas que alimento um pássaro
Perdido que traz ao bico um ramo
De promessa de vida
As tempestades me causam danos
Reparáveis, nada sério
Tem um farol no alto da colina
Que me, alerta
—Terra à vista!
Mas na verdade, sou ilha flutuante
Pós horizonte
De toda a paisagem que me cerca
Há uma submersa, oculta,
Ninguém vê
Mas que me fala de amor
Mesmo sem fazer uso dele
…só pela existência
Uma jubarte, que ao roçar suave em mim
Me balança as estruturas
Acorda Amor
Logo as estrelas irão sucumbir à promessa
De um novo dia
Em verdade já é novo dia
Aqui nesta esfera
Mas as estrelas não sabem dele
Sequer o sol que o traz
As estrelas
Não sabem de nós – grãos da Terra
Nós, os amantes insaciáveis
Cheios de amor
Nós, os insensatos
Que negamos, o amor
Pela ferida que nos abre no peito
E que criamos nossas barreiras
E fazemos guerras – entre nós
Os amantes
Os fazedores da humanidade
Que matamos as crianças
Que dormem
Sob estrelas
As mesmas estrelas que não sabem delas
Ou de guerras
Ou da escravidão que aniquila
A expectativa de Vida
Ou do dia de liberdade
Em campos de concentração
Elas não sabem
Das noites encobertas de nuvens
Ou dos homens que dormem
Em úteros cheios de amor
Ou do amor perdido
Que bate à porta
E ninguém atende e parte
– volta aqui Amor!
Ou do amor que perde a rota
E nunca vem…
Elas só sabem do firmamento
E logo o dia começará a gritar “SOCORRO!”
E elas insistentes continuarão
A brilhar, para nós
A promessa de outro, e outro, e outro…
Bom dia… acorda Amor!
Deus caminha sobre meu dorso
Deus deitou-se junto a mim
Por alguns instantes
E me olhou os olhos
Ciente do que dissipa
Minha revolta
Deus é sábio
Não quer que eu destrua a margem
Que me envolve
E com o olhar
Olhar de deus que nada fala
Me disse coisas insanas
E ri desarmada
Em três frases não faladas
Ele me explicou sobre suas pegadas na areia
E me disse que castelos de areia desmoronam na primeira onda brava
Deus escreve certo por linhas imaginarias
Imprecisas, pontilhadas
Por isso ele tatuou nas minhas costas
Suas pegadas
Seu verbo sobre eternidade
Ergueu-se e foi ser deus em seu dia de deus
E me deixou dormir
Na mansidão de uma paisagem costeira
O sal que me tempera a carne
Na proa de um barco em movimento, a tempestade açoita minha face, estou indo de encontro ao seu eixo e essa sensação de pele sendo riscada, se intensifica quando a chuva está cheia de sal e o frio à deixa gélida.
Só há alívio quando o mar alto traga o barco entre as ondas, esqueça o vai e vem delas, se o motor está ligado, é só sobe e desce, e nos sentimos em queda todo tempo, um mergulho ao nada, após o outro… neste ponto a sensação é que a gravidade nos escapa.
— vertigem ?
Não tenho mais…
Chega um ponto, que é quando o horizonte se dissipa e não vemos nada, só há a bruma, a fina chuva que umedece os cílios. No intervalo de todo alvoroço o silêncio se destaca, quase é palpável que dá vontade de pegá-lo.
Desbravo ondas, não às temo… me lanço ao mar para aliviar a carga, mergulho de encontro ao peixe gigante que me cospe em segurança na zona costeira.
No mar as fronteiras não tem tanta significação e isso me dá a capacidade de apreciar o lado bravo e tenso de, até mesmo quando a calmaria parece interminável e o vento nos abandona.
O sal está em tudo ao meu redor…. nos fios dentro da touca, nas unhas dos pés fincados na galocha, nos dedos apertando o lápis de encontro ao bloco de notas, a busca do ponto de equilíbrio para que não caia e esqueça a palavra, o fluxo, e aqui, nesse ponto, faço um poema na linha do horizonte que fale do tempero da vida, propósitos. Preciso desse oceano inteiro para ancorar, não meus medos… minha coragem insana.
Ao me deslocar, o horizonte se alinha, o mar vai continuar mar, o mesmo mar de lamber nuvens
…mesmo num banho quente de água limpa de resíduos, o sal entranhou em minha carne, o mar, não sai de mim, levo o mar por onde for.
Na linha do horizonte percebi o quão belo é o caso de amor do mar com o céu, e assino essa afirmação, ao sentir uma lágrima teimosa escorrendo pela minha fria face de encontro ao vapor escapando entre meus lábios entreabertos, recitando teus poemas em terra firme.
Rosa Ataíde
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