Poemas que atravessam o cotidiano e o absurdo. Voz feminina, humor agridoce e a insistência da memória.
Versos que misturam ironia, dor e pequenas celebrações domésticas.
Para uma leitura em tom íntimo.
Poemas
ESTA IRENE não me deixa ouvir a sirene vou-me pôr a ver passar a ambulância se for carro dos bombeiros decerto vermelho se for da Polícia normalmente azul levarei para o parapeito o meu peito velho e virgem e a lata das bolachas maria mas podia em vez de octogenária e bulímica ter alguns meses biquentos e usar babadoiro ser talvez qual tímida donzela pela miúda gelosia espreitando feia no berço: bonita à janela não não a avisto ainda apenas a sirene e aquela abelhuda da Irene a cantar: Minha mãe é pobrezinha Não tem nada que me dar Dá-me beijos, coitadinha…! e eu que queria ouvir bem a sirene e ver o incêndio o assalto a estropiada o estupro rilharei bolachas maria até ao fim deste dia e do outro?
A MINHA MUSA antes de ser a minha Musa avisou-me cantaste sem saber que cantar custa uma língua agora vou-te cortar a língua para aprenderes a cantar a minha Musa é cruel mas eu não conheço outra
No more tears Quantas vezes me fechei para chorar na casa de banho da casa da minha avó lavava os olhos com shampoo e chorava chorava por causa do shampoo depois acabaram os shampoos que faziam arder os olhos no more tears disse Johnson & Johnson as mães são filhas das filhas e as filhas são mães das mães uma mãe lava a cabeça da outra e todas têm cabelos de crianças loiras para chorar não podemos usar mais shampoo e eu gostava de chorar a fio e chorava sem um desgosto sem uma dor sem um lenço sem uma lágrima fechada à chave na casa de banho da casa da minha avó onde além de mim só estava eu também me fechava no guarda-vestidos grande mas um guarda-vestidos não se pode fechar por dentro nunca ninguém viu um vestido a chorar
Prêmios e comentários A avó Zé e a tia Paulina deram-me os parabéns e disseram agora já é uma senhora! a Maria disse parabéns por quê? é uma porcaria! quanto a comentários a poesia e a menarca são parecidas
Em 72 recebi o prémio literário dos pensos rápidos Band-Aid o prémio foi uma bicicleta às vezes penso que me deram uma bicicleta para eu cair e ter de comprar pensos rápidos Band-Aid é o que penso dos prémios literários em geral
NÃO GOSTO tanto de livros como Mallarmé parece que gostava eu não sou um livro e quando me dizem gosto muito dos seus livros gostava de poder dizer como o poeta Cesariny olha eu gostava é que tu gostasses de mim os livros não são feitos de carne e osso e quando tenho vontade de chorar abrir um livro não me chega preciso de um abraço mas graças a Deus o mundo não é um livro e o acaso não existe no entanto gosto muito de livros e acredito na Ressurreição de livros e acredito que no Céu haja bibliotecas e se possa ler e escrever
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