Alejandra Pizarnik (1936–1972) foi uma das vozes mais intensas e enigmáticas da poesia argentina do século XX. Nascida em Avellaneda, filha de imigrantes judeus, construiu uma obra marcada pela solidão, pelo silêncio e pela busca da palavra como abrigo e abismo. Sua poesia, breve, vertiginosa e afiada, investiga a infância, a morte, o amor e a fragmentação da identidade, tornando cada verso uma espécie de espelho partido onde o leitor se reconhece e se perde.
Após anos de crises depressivas e internações, Alejandra Pizarnik morreu por suicídio em 25 de setembro de 1972, aos 36 anos. A violência dessa perda consolidou a lenda em torno de sua figura, mas também revelou, com mais força, a coragem de uma poeta que transformou a própria angústia em linguagem.
“A talentosíssima poeta, internada, inúmeras vezes, em manicômios; a mulher inteligente e suicida.” Dessa forma, se refere a ela Fernanda Lobo, na revista Pernambuco.
Há quem diga que se trata de uma leitura de fortes consequências na alma, no cérebro. Clarice Lyra, crítica literária, poeta, tradutora e professora, conta, na revista Capivara, ter passado por uma espécie de antessala do luto na vida real, diz não ter podido mais suportar ler seus poemas e diários: “(…) abrir de novo o seu diário, reler a sua poesia completa, tornou-se simplesmente insuportável, angustiante, algo com cuja força autodestrutiva e desestabilizadora de qualquer segurança depositada na linguagem eu não conseguia lidar, não conseguia enfrentar.”
Também Laura Erber, escritora, artista e pesquisadora brasileira, relatou, em 2017, uma experiência de angústia diante do texto pizarnikiano. Ela já não podia parar de ler, não podia se livrar, sentia-se, de algum modo, presa: “Mas ainda havia o problema de como parar de ler aquele livro. Já não era mais uma questão de reflexão crítica, mas uma espécie de mau humor, de irritação com um livro-arapuca ou livro roda-gigante em um parque de diversões cujo responsável pela parada do brinquedo havia ido embora sem deixar vestígios.”
Enfrentemos, pois, a escrita de Alejandra Pizarnik em três poemas traduzidos por Erlândia Ribeiro da Silva e Gracielle Marques, da Universidade Federal de Rondônia. São eles: “Yo soy…”, “Siempre” e “Exilio”, publicados originalmente nos livros La Tierra Más Ajena (1955), La Última Inocencia (1956) e Las Aventuras Perdidas (1958), respectivamente.
YO SOY…
mis alas?
dos pétalos podridos
mi razón?
copitas de vino agrio
mi vida?
vacío bien pensado
mi cuerpo?
un tajo en la silla
mi vaivén?
un gong infantil
mi rostro?
un cero disimulado
mis ojos?
ah! trozos de infinito
EU SOU…
minhas asas?
duas pétalas podres
minha razão?
tacinhas de vinho azedo
minha vida?
vazio bem pensado
meu corpo?
um corte na cadeira
meu vaivém?
uma gangorra infantil
meu rosto?
um zero dissimulado
meus olhos?
ah! bocados de infinito
SIEMPRE
A Rubén Vela
Cansada del estruendo mágico de las vocales
Cansada de inquirir con los ojos elevados
Cansada de la espera del yo de paso
Cansada de aquel amor que no sucedió
Cansada de mis pies que sólo saben caminar
Cansada de la insidiosa fuga de preguntas
Cansada de dormir y de no poder mirarme
Cansada de abrir la boca y beber el viento
Cansada de sostener las mismas vísceras
Cansada del mar indiferente a mis angustias
¡Cansada de Dios! ¡Cansada de Dios!
Cansada por fin de las muertes de turno
a la espera de la hermana mayor
la otra la gran muerte
dulce morada para tanto cansancio.
SEMPRE
A Rubén Vela
Cansada do estrondo mágico das vogais
Cansada de inquirir com os olhos saltados
Cansada da espera do eu de passagem
Cansada daquele amor que não aconteceu
Cansada de meus pés que só sabem caminhar
Cansada da traiçoeira fuga de perguntas
Cansada de dormir e de não poder me olhar
Cansada de abrir a boca e beber o vento
Cansada de sustentar as mesmas vísceras
Cansada do mar indiferente às minhas angústias
Cansada de Deus! Cansada de Deus!
Cansada por fim das mortes de plantão
à espera da irmã mais velha
a outra a grande morte
doce morada para tanto cansaço.
EXILIO
A Raúl Gustavo Aguirre
Esta manía de saberme ángel,
sin edad,
sin muerte en que vivirme,
sin piedad por mi nombre
ni por mis huesos que lloran vagando.
¿Y quién no tiene un amor?
¿Y quién no goza entre amapolas?
¿Y quién no posee un fuego, una muerte,
un miedo, algo horrible,
aunque fuere con plumas,
aunque fuere con sonrisas?
Siniestro delirio amar a una sombra.
La sombra no muere.
Y mi amor
sólo abraza a lo que fluye
como lava del infierno:
una logia callada,
fantasmas en dulce erección,
sacerdotes de espuma,
y sobre todo ángeles,
ángeles bellos como cuchillos
que se elevan en la noche
y devastan la esperanza.
EXÍLIO
A Raúl Gustavo Aguirre
Esta mania de me saber anjo,
sem idade,
sem morte em que viver,
sem piedade pelo meu nome
nem por meus ossos que choram vagando.
E quem não tem um amor?
E quem não goza entre papoulas?
E quem não possui um fogo, uma morte,
um medo, algo horrível,
ainda que seja com plumas,
ainda que seja com sorrisos?
Sinistro delírio amar uma sombra.
A sombra não morre.
E meu amor
só abraça o que flui
como lava do inferno:
uma fraternidade silenciosa,
fantasmas em doce ereção,
sacerdotes de espuma,
e sobretudo anjos,
anjos belos como facas
que se alçam na noite
e devastam a esperança.
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