José Ildone Favacho Soeiro, nasceu na histórica cidade de Vigia de Nazaré – PA. É poeta, prosador, professor licenciado pleno em Letras e possui inúmeras obras publicadas. Leciona desde 1959, participou ativamente de eventos culturais e literários em Vigia e Belém, promoveu lançamentos de livros, colaborou em jornais e revistas, participou de palestras, concursos literários e exerceu carreira política no município. Recebeu homenagens em escolas e na Feira Pan-amazônica do Livro. Em agosto de 1981, foi eleito para a cadeira 31 da Academia Paraense de Letras. Atualmente, preside a Sociedade Literária e Beneficente Cinco de Agosto em Vigia-PA.
CONFISSÃO
Nisto, invejo os homens
(segreda).
Eles têm,
além do canto,
o verbo.
E a palavra é uma forma
de retrato
ou de pintura. p. 41
AMANHECÊNCIA
Flutuam, no amanhecer,
manchas, asas, falas. Frio.
Meia-luz. Buscam abrigo
os derradeiros morcegos.
Cuités de ouro
resistem no espaço.
Flutua e sobe
a fiação da fumaça, erguendo aos
mastaréus, o cheiro do café.
Levanta os braços o pescador
para fisgar o sol,
dourada presa
nos anzóis dos dedos.
Além-porto, quintal coberto de
neblina, Gazolé sobrepõe ao tempo,
o canto triunfal. Move-se o mercado
para um dia de peixes.
Sem filosofias – os homens,
enquanto
cuités de ouro se esboroam
no espaço. p. 51
DESESPERO
Nas portas do teu corpo
bate ansioso meu esporão dourado.
Queimo-me
por ti
nos ardores da paixão.
Quero estender a vista,
entender a vida,
mas não posso ultrapassar
os meus cercados. p. 56
DA INCERTEZA
Penso na morte – vida submersa,
Subsolo deste rude caminhar.
No viver penso – lâmina adversa
Rasgando vias de dolo em meu olhar.
Contínuo, o sonho – vívido jaguar
Saltando da floresta do meu peito,
Sem armadilhas, milhas a vagar,
Longe de laços vãos e do preceito.
Se após a queda se pudesse ainda
Soltar este felino singular,
A transitoriedade seria finda,
Mas a incerteza espelha-se no engano.
Somos sombra no vale, imaginando
O que ocorre no topo do altiplano. p. 76
DA CINZA VENCIDA
Disparo ao fundo desse alvo escuro
Chispas de tédio e solidão. Disparo.
E a noite, desbotando-se nos astros,
Zomba do meu notável despreparo.
Arquivo as armas? Recarrego-as logo?
Continuarei neste exercício raro
Em que o vazio se enche de potência,
Em que o nada, ao pensar, se faz preclaro?
No círculo do tempo a vida gira.
Gera prefácios de impotência e ira.
Ao finito, – o infinito, em agressão,
Sugere arcas de pó. Cinza vencida,
Dói-me nas mãos a força combalida,
Nos olhos – o flagelo da amplidão. p. 82
ANFIPOETA
À planície aquática retorno
centenárias vezes. Cada
retorno – outra nascença.
Martela meu tempo o relógio
das águas. Caleja meus pés
a rudeza do chão.
Por isso pronuncio
Barro, Areia, Rocha:
-inconsitência temporal,
-alva farinha da frase,
-o dito que magoa ou agrada.
Por isso, derramo a poesia:
Preamar, Óleo, Maremoto:
– placidez no desamar o efêmero,
– o fútil retemperado na metáfora,
– protesto escarrado sobre a morte.
Cabe ao Destino (língua bífida)
conduzir-me, água, pela vida
ou fundir-me, pó, quando aprouver.
Cabe a ele (Verbo do Princípio)
essa missão
anfíbia. p. 107
MORITURI TE SALUTANT
Nos palacetes acarpetados
a sorte dos barracos
vai anoitecendo.
Ave, tecnocratas!
O povo espera o pinto
sair do ovo do projeto,
9 meses
Vezes
9 meses. p. 120
“VERDE QUE TE QUERO…”
Plantam cidades verdes
nos igapós verdes.
As fezes verdes
(do homem verde)
enchem os quintais.
– Não há verbas para esgoto. p. 121
PARA O INDIGENTE
Antônio Pleno de Privações,
após viver o árduo
silêncio da penúria,
aqui jaz e protesta
contra o peso da terra
e a humana indiferença,
pois da antiga miséria
nada resta. p. 99
A MÃO E A VESPA
Saltas.
Corcoveias.
Mãos estão comigo
Rédeas e esporas.
Amo-te com o ferro
do amor
(que em mim se amolga.)
Noite, dia feito ou
madrugada: te
domestico, verbo,
vespa,
vida. p. 108
MAREANTE
Tenho um apetite:
o mar.
Por vezes, o vício, crença,
deflagrando canto.
Ânsia em viagens.
Mas a vida – um porto,
potro
amarrado às clinas do vigor:
vigas,
bandeiras, luminárias.
Paz e fantasmas.
Viagens:
-vitrais do meio-dia,
-pachorra do anoitecer,
-a dor por quem se foi
(remergulhar na morte).
Sou verbo do porto:
ficar.
Sou verbo de velas:
partir,
como se a felicidade
fosse uma tábua de marés
e o inferno
a certeza do ocaso. p. 124
Referência: ILDONE, José. A Hora do Galo & Trilogia do Exílio. Belém: Falangola Editora, 1987.
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A poesia de José Ildone Favacho Soeiro de tão bela chega a ser desconcertante….chega a doer.
Foi um grande prazer conhecer um pouco dos poemas desse grande poeta. Quero adquirir seus livros..