
Não me acusem de admirar o maranhense. Só reconheço o mérito de ajeitar os feriados. Bem como o tal gatilho salarial: sempre que a inflação batia nos 20%, nossos salários subiam automaticamente. Era uma farra — maior até do que a das emendas PIX, e banco Master. Acho que não. A economia vivia em frangalhos, os preços disparavam, distorções que, se contarmos, ninguém acredita.
Trabalhei a vida inteira com números, e eles se tornavam tão indecentes que, de tempos em tempos, chegava uma ordem para cortar três zeros da contabilidade. Um bilhão virava um milhão. Acreditem! Eram cifras tão insignificantes, como o Paquetá na seleção… ou o Danilo na lateral direita, que era melhor tirar fora e facilitar o trabalho. Misturei futebol com economia? Misturei. Mas é que, na era Sarney — também a era do telégrafo —, o futebol ainda nos dava esperança. Achávamos possível ganhar uma Copa. Hoje está difícil. Um Estevão só não faz verão. Aliás, inventei uma agora: bicicleta de saci não precisa de dois pedais. Coisas meio tortas, como falar de corda em casa de enforcado. “São demais os perigos desta vida”, já ensinava Vinicius.
E hoje é domingo. Estou em Águas da Prata, terra onde nasci, e aqui tudo tem cheiro de feriado eterno. Não há buzinas, engarrafamentos, semáforos piscando no amarelo. Minha cidade nem sequer tem semáforos. O máximo de barulho que incomodava, ainda menino, era o estouro dos morteiros na alvorada, quando do aniversário da cidade.
Daqui a pouco, pego a estrada. Amanhã, volta o ritmo normal. Encerrando novembro, lanço meu livro de crônicas — e outro de poesia — em Petrópolis, na feira literária do Afonso Borges, sempre tão acolhedora. Lembrei agora que, além de maranhense, Sarney também andou pelas letras. Não me ponha no time dele. Nem me desperta simpatia. Minha gratidão é só pelos feriados mesmo.
Fernando Dezena
Águas da Prata, SP, 23 de novembro de 2025.
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- A crônica viva de Fernando Dezena – De Sarney a Paquetá






