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“Sem fim”, “Svalbard” e outros belos poemas — Beth Brait Alvim

Poemas de Beth Brait Alvim no Ver-O-Poema
Pour que nous, que avons des
rêves, puissions simplement
tourner la tête et disparaître
Sem fim enroscada em um dos pilares sob a ponte daquele rio aprofundo minha alucinação farejo madeiras antigas e aspiro o perfume de peixes que não existem mais abalroo proas de barquinhos antes imponentes e mágicos e cavouco rastros de cupins nos restos dos seus lemes diviso a névoa onde boiam antes das águas pontinhos dourados e prateados e até azuis que o leito do rio sacode sobre meu ombro ardente abro as pernas lenta a água turva me penetra e eu suspensa fixo com um olho só a superfície apalpo destroços debaixo do espelho d’água e minhas bochechas flácidas incham a cada baforada do resto do ar que ainda me empurra para baixo como se o leito pútrido do Sena ou do Tietê me cobrissem de vez para o sono sem fim
Svalbard Sobre os telhados das casas cores calvas escancaram o branco As garras dos ursos cintilam como aço no espelho de gelo. Eles, mais belos que as montanhas invertidas – não se sabe o que é a porcelana do céu, ou se é o vaso chinês incrustrado de lendas do inverno – oferecem seus olhos oblíquos de mel à dança frenética e gélida do sol da meia noite durante cento e vinte dias. Os mais importantes habitantes de Svalbard, se acaso ainda vivos, tonteiam o que nunca viverão lá, e tropeçam em exploradores ou turistas, tanto faz … O vermelho sob suas garras, a fome, o susto, o sangue violando aquele branco cegueira alva. Minha língua queima. Balbucio Svalbard, Svalbard, e ainda tremulo pesadelos de amor. Sangra. Ela sangra. Ele sangra. A casa derrete. Svalbard. Ah meu vermelho- Guará! O gelo derrete. A casa sangra. Ah Amazônia. Ah as cores de Svalbard. Por isso a luz da manhã e das mil noites é transparente como um salpa – não se trata aqui do sarpa salsa de cuja cabeça explodem alucinações – Uma raposa branca recém –nascida flutua no leite que lambuza meus lábios e alisa meus seios antigos pispiscando atrás de um horizonte morno. Não há como não ficar úmida e fora de mim com o vento desse tempo do tempo desse vento desse tempo vento com ar de embaçamento camuflado de magia a pele arrepia a pele dos móveis das paredes o corrimão … Eu, anestesiada, danço para o sol que não extenua, nem aquece. O tempo rebentou minhas sete peles. E eu alço voo pelos telhados brancos de Svalbard, leve.
Minuta do fim a cena da tua partida boiou nas minhas retinas dia e noite até ficarem opacas e assim elas submergiram no tempo imóvel teus passos na contramão do meu abraço congelou qualquer movimento e toda pulsação de cócoras eu grunho para que o corvo pique e estilhace meu couro cabeludo até que ferva o sangue dos vasos e veias e o caos aborte o grande amor e me obrigue a me reencantar com o pântano o mesmo pântano corrido nos nossos poemas todos paridos nas três noites de vinho e luxúria da terra que trespassou meu coração e ungiu meu corpo com leite de mescal oh pássaro tonto devorador da serpente, emplumada vomita suas penas e banha minha língua exausta de lágrimas com seu sopro até o renascer do outro aqui estou me lambuzando do crème de la crème no estertor de nossas vidas e me agarro craquelada e nua em um corrimão oleoso da gare du nord no último degrau ainda uma vez farejo esse outro que se esconde no gelo do teu gesto descarnado e vazio com a flor de Novalis entre os lábios hei de salivar o mel das montanhas de Omã me despedindo do teu calor e dos teus olhos lindos que não decifram o gosto sutil e agridoce da ressurreição por fim deslizo macia bem dentro da tua garganta e da minha
Afagos de calor alargar a arcada dentária que ainda resta para o sol explodir no vão dos dentes e escorregar lento e indiferente por entre minhas coxas moles e dos poros não poupar cada fresta como o desejo que bebo do sumo que me engole se enrosca na medula em chamas sem rumo e sem sequer deixar sequela lambe o cóccix e invade o ânus para extirpar destes tempos a secura
Beth Brait Alvim
25 de novembro de 2025
Foto do autor

Escritora, poeta e atriz. Curadora de Literatura. Ministra cursos e oficinas de poesia. Mestre pelo PROLAM-Integração da América Latina – USP.

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