BEIJA-FLOR
Dedos cortados sobre a mesa
cinco cactos presos aos pés
Volto os olhos Ainda posso
salto da dor abrindo caixas
Dos escuros e das farpas
liberto tuas asas, tulipas
Linhas claras suturam
fendas ou rompem paredes
O sol no chão no ventre
aprendo a contornar arestas
e caminho sobre os cacos
evitando caracóis em trânsito
− sem armas
às vezes asco
outras lábio
ENIGMA
Ontem, o sol não veio
ao ventre.
Não deu para fingir,
nem ser
o incêndio
de um instante só.
O tempo foi agenda,
essa poeira das cartilagens.
Hoje o dia é igual
e adia a resposta.
Quem alimenta
o segredo da luz?
DIAGNÓSTICO
Como deixava aquele homem
com olhos tão tristes
que lhe subissem ramas e o céu?
Silencioso, a seu canto,
parecia ter chegado,
ou talvez ainda esperasse.
Apesar da curiosidade,
era preciso respeitar suas certezas
– fossem de peixes ou de facas.
HARMONIZAÇÃO
Demorasse a tua mão
um pouco mais
sobre o meu ombro
e me nasceriam asas
Em silêncio
logo o pressentimento
o pacto e o voo:
grades e escarpas
ruindo sob as pernas
cúmplices, entrelaçadas
as nossas.
QUANDO NÃO HÁ MAIS O QUE AMAR
Disseram-nos: amem as bailarinas.
São tão leves em asas, membranas.
E logo nos damos conta
de que se acabam em aroma.
Pois que amem os marinheiros.
Mas os marinheiros partem.
E, breve, todos choram portos,
fatias de ausência caindo ao mar.
Disseram-nos para amar
mulheres e homens de lata,
sílex, farinha ou areia,
as onças, serpentes, insetos
que riscam barras simétricas,
cicatrizes, grades na carne e pele.
Amem a prata, ações, o mercado.
E agora estamos nesse deserto,
depois das doze provocações,
esperando, sem esperança,
que alguém recolha o nosso reflexo
no caco de espelho que, parece,
neste mundo, o céu esqueceu.
Alberto Bresciani
