A Poesia de Jorge de Lima
Jorge de Lima (1893-1953) é um dos pilares do Modernismo brasileiro. Sua obra transita entre o Nordeste mítico, a religiosidade profunda, o lirismo cotidiano e a experimentação formal. Esta coletânea apresenta alguns de seus poemas mais emblemáticos, explorando temas como a introspecção (‘Solilóquio sem fim e rio revolto’), a relação com a natureza e o popular (‘Nordeste’, ‘Minha Sombra’) e reflexões sobre a arte e o sacrifício (‘A Morte do Artista’). Uma leitura essencial para entender a riqueza e a complexidade da poesia brasileira.
Cinco Poemas essenciais de Jorge de Lima
Solilóquio sem fim e rio revolto
Solilóquio sem fim e rio revolto
mas em voz alta, e sempre os lábios duros
ruminando as palavras, e escutando
o que é consciência, lógica ou absurdo.
A memória em vigília alcança o solto
perpassar de episódios, uns futuros
e outros passados, vagos, ondulando
num implacável estribilho surdo.
E tudo num refrão atormentado:
memória, raciocínio, descalabro…
Há também a janela da amplidão;
e depois da janela esse esperado
postigo, esse último portão que eu abro
para a fuga completa da razão.
mas em voz alta, e sempre os lábios duros
ruminando as palavras, e escutando
o que é consciência, lógica ou absurdo.
A memória em vigília alcança o solto
perpassar de episódios, uns futuros
e outros passados, vagos, ondulando
num implacável estribilho surdo.
E tudo num refrão atormentado:
memória, raciocínio, descalabro…
Há também a janela da amplidão;
e depois da janela esse esperado
postigo, esse último portão que eu abro
para a fuga completa da razão.
Minha sombra
De manhã a minha sombra
com meu papagaio e o meu macaco
começam a me arremedar.
E quando eu saio
a minha sombra vai comigo
fazendo o que eu faço
seguindo os meus passos.
Depois é meio-dia.
E a minha sombra fica do tamaninho
de quando eu era menino.
Depois é tardinha.
E a minha sombra tão comprida
brinca de pernas de pau.
Minha sombra, eu só queria
ter o humor que você tem,
ter a sua meninice,
ser igualzinho a você.
E de noite quando escrevo,
fazer como você faz,
como eu fazia em criança:
Minha sombra
você põe a sua mão
por baixo da minha mão,
vai cobrindo o rascunho dos meus poemas
sem saber ler e escrever.
com meu papagaio e o meu macaco
começam a me arremedar.
E quando eu saio
a minha sombra vai comigo
fazendo o que eu faço
seguindo os meus passos.
Depois é meio-dia.
E a minha sombra fica do tamaninho
de quando eu era menino.
Depois é tardinha.
E a minha sombra tão comprida
brinca de pernas de pau.
Minha sombra, eu só queria
ter o humor que você tem,
ter a sua meninice,
ser igualzinho a você.
E de noite quando escrevo,
fazer como você faz,
como eu fazia em criança:
Minha sombra
você põe a sua mão
por baixo da minha mão,
vai cobrindo o rascunho dos meus poemas
sem saber ler e escrever.
A morte do artista
É morto o Artista, o torturado Artista…
Ei-lo sem vida, como um cristo louro…
Dizem que foi sua maior conquista
Polir o verso do seu estro de ouro!
Paira por tudo a viuvez e o agouro…
Não há talvez quem neste mundo exista
Que ao vê-lo morto para sempre, em choro
Não sinta logo anuviar-se a vista…
Mas o martírio que se renovava!
Quando quiseram transportá-lo, fora
Cobriu-se tudo de um celeste brilho:
Nossa Senhora soluçando estava…
Tanto chorara por Jesus outrora,
Quanto chorava pelo novo filho!
Ei-lo sem vida, como um cristo louro…
Dizem que foi sua maior conquista
Polir o verso do seu estro de ouro!
Paira por tudo a viuvez e o agouro…
Não há talvez quem neste mundo exista
Que ao vê-lo morto para sempre, em choro
Não sinta logo anuviar-se a vista…
Mas o martírio que se renovava!
Quando quiseram transportá-lo, fora
Cobriu-se tudo de um celeste brilho:
Nossa Senhora soluçando estava…
Tanto chorara por Jesus outrora,
Quanto chorava pelo novo filho!
Nordeste
Nordeste, terra de São Sol!
Irmã enchente, vamos dar graças a Nosso Senhor,
que a minha madrasta Seca torrou seus anjinhos
para os comer.
São Tomé passou por aqui?
Passou, sim senhor!
Pajeú! Pajeú!
Vamos lavar Pedra Bonita, meus irmãos,
com o sangue de mil meninos, amém!
D. Sebastião ressuscitou!
S. Tomé passou por aqui?
Passou, sim senhor.
Terra de Deus! Terra de minha bisavó
que dançou uma valsa com D. Pedro II.
São Tomé passou por aqui?
Tranca a porta, gente, Cabeleira aí vem!
Sertão! Pedra Bonita!
Tragam uma virgem para D. Lampião!
Irmã enchente, vamos dar graças a Nosso Senhor,
que a minha madrasta Seca torrou seus anjinhos
para os comer.
São Tomé passou por aqui?
Passou, sim senhor!
Pajeú! Pajeú!
Vamos lavar Pedra Bonita, meus irmãos,
com o sangue de mil meninos, amém!
D. Sebastião ressuscitou!
S. Tomé passou por aqui?
Passou, sim senhor.
Terra de Deus! Terra de minha bisavó
que dançou uma valsa com D. Pedro II.
São Tomé passou por aqui?
Tranca a porta, gente, Cabeleira aí vem!
Sertão! Pedra Bonita!
Tragam uma virgem para D. Lampião!
Ave!
Ave! jequitibás, sapopembas imensas,
gameleiras, jucás, canafístulas paus-
-brasis – absalões de cabelos suspensos,
iguais àqueles que aos outros
vencem com a força, ensombrando o destino da gente.
A teus pés há tanta planta bonita,
há tanta flor namorada,
há tanta seiva emotiva,
nos caules adolescentes,
na promessa das sementes…
Há tanta sombra bucólica,
há tanta flor namorada,
há tanto pólen cativo
nas flores rubras,
e que vós jequitibás,
sapopembas, gameleiras,
e vós jucás venerandos
do passado brasileiro,
nunca havereis de oferecer ao sol!
gameleiras, jucás, canafístulas paus-
-brasis – absalões de cabelos suspensos,
iguais àqueles que aos outros
vencem com a força, ensombrando o destino da gente.
A teus pés há tanta planta bonita,
há tanta flor namorada,
há tanta seiva emotiva,
nos caules adolescentes,
na promessa das sementes…
Há tanta sombra bucólica,
há tanta flor namorada,
há tanto pólen cativo
nas flores rubras,
e que vós jequitibás,
sapopembas, gameleiras,
e vós jucás venerandos
do passado brasileiro,
nunca havereis de oferecer ao sol!
Por Jorge de Lima