“A flor das águas” (La fleur des eaux) é um poema integrante do ciclo **”Poème de l’amour et de la mer” (1878)**, de autoria do poeta francês **Maurice Bouchor** (1855-1929). A obra é um lírico e intenso estudo da relação entre o amor romântico e a natureza marítima, utilizando o oceano como um poderoso espelho das emoções humanas. O texto se desenvolve numa jornada emocional em três tempos: a expectativa ardente do eu lírico ambientada em um cenário costeiro dominado pelo aroma dos lilases e o brilho do sol no mar. Em seguida, o clímax da paixão e o encontro com a amada, a “alma das coisas”, um momento de êxtase transcendente. Por fim, se encerra com a amargura da perda e do adeus. A natureza, antes cúmplice, torna-se indiferente e zombeteira; o mar implacável abafa o pranto do eu lírico, que observa sua vida e sua alma perdida se afastarem sobre o sombrio clamor das ondas, selando a melancolia do desencanto.
A flor das águas
I
O ar cheio está de um odor raro de lilases,
Que, florindo nas paredes do topo às bases,
Embalsa os cabelos das moças.
O mar ao grande sol vai se incendiar,
E, sobre a areia fina que elas vêm beijar,
Onda deslumbrante faz forças.
Ó céu que de seus olhos tomar deve a cor,
Brisa que cantar vai aos lilases em flor
Para ela sair toda aromada,
Riachos a molhar seu vestido, ó caminhos
Verdes que tremem abaixo de seus pezinhos,
Deixai-me ver a minha amada!
II
E meu coração nesta manhã de verão
Despertou; por uma bela moça praiana
Lançando sobre mim seus olhos em clarão
E me sorrindo assim, selvagem e lhana.
Tu, que transfiguraste amor e juventude,
Tu como alma das coisas todas a mim posas;
Meu coração voou a ti, que prisão p’ra ele urdes,
E do céu aberto sobre nós choveram rosas.
III
Que som lamentoso e selvagem
Soará na hora do adeus!
O mar rola pela paisagem,
Zombeteiro, e pouco se deu
Conta que é hora do adeus.
De plena asa, aves têm voado
Sobre o abismo quase jocoso;
Ao sol o mar é verdeado,
E eu sangro mui silencioso
A observar o céu tão brilhoso.
Eu sangro a observar minha vida
Que se perde junto às ondas;
Minha alma gêmea foi perdida
E o clamor profundo das ondas
Meu pranto e meus soluços sonda.
I
L’air est plein d’une odeur exquise de lilas
Qui, fleurissant du haut des murs jusqu’au bas,
Embaument les cheveux des femmes.
La mer au grand soleil va toute s’embraser,
Et sur le sable fin qu’elles viennent baiser
Roulent d’éblouissantes lames.
O ciel qui de ses yeux dois porter la couleur,
Brise qui vas chanter dans les lilas en fleur
Pour en sortir toute embaumée,
Ruisseaux qui mouillerez sa robe, o verts sentiers,
Vous qui tressaillerez sous ses chers petits pieds,
Faites-moi voir ma bien-aimée!
II
Et mon coeur s’est levé par ce matin d’été;
Car une belle enfant était sur le rivage,
Laissant errer sur moi des yeux pleins de clarté,
Et qui me souriait un air tendre et sauvage.
Toi que transfiguraient la jeunesse et l’amour,
Tu m’apparus alors comme l’âme des choses;
Mon coeur vola vers toi, tu le pris sans retour,
Et du ciel entr’ouvert pleuvaient sur nous roses.
III
Quel son lamentable et sauvage
Va sonner l’heure de l’adieu!
La mer roule sur le rivage,
Moqueuse, et se souciant peu
Que se soit l’heure de l’adieu.
Des oiseaux passent, l’aile ouverte,
Sur l’abîme presque joyeux;
Au grand soleil la mer est verte,
Et je saigne silencieux
En regardant briller les cieux.
Je saigne en regardant ma vie
Qui va s’éloigner sur les flots;
Mon âme unique m’est ravie
Et la sombre clameur des flots
Couvre le bruit de mes sanglots.
Poème de l’amour et de la mer Maurice Bouchor
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