A mulher que corta meus cabelos
A mulher que corta meus cabelos tem a sombra no espelho
e a tristeza pendurada num varal de martírios.
Ela conta histórias, cruza a tesoura, corta amarguras.
Tem um rosto pálido de plumas,
olhos descidos de um anjo doente.
Sua tesoura cicatriza o ar,
circula ao redor de mim,
observa as margens de meus cabelos.
Seu silêncio mineral olha o relógio do espelho,
os instrumentos mortos sobre o console,
parecem destroços de uma tempestade.
A mulher despede os meus cabelos.
Medito os fios decapitados, para aonde vão,
Por que não voam transformados
em miúdas aves pretas, grisalhas borboletas,
sons de guitarras, ou pequenas coisas de luz?!
Nuvens pegam fogo nas mãos da mulher,
o incêndio deixa o espelho sem horizontes,
a tesoura é um beija-flor murmurando nos meus ouvidos,
ela me confessa num estribilho lento,
a tormenta das horas em frente ao espelho cego.
Sem a tesoura, passa à noite rasgando ilusões,
amanhece lendo presságios no horóscopo,
sufoca o instante entre o café e os surrados pentes,
entre o amor e o riso asfixiado entre os dentes.
— Edmir Carvalho Bezerra
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Poeta grandioso!!
Parabéns, Edmir Bezerra!👏
Obrigado, minha poeta!