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‘A tentação da sociedade’ entre podres poderes – A crônica de Helder Bentes

Helder Bentes refletindo sobre a tentação da sociedade moderna

“Enquanto os homens exercem seus podres poderes.”

Estava aqui ouvindo Podres Poderes, de Caetano, enquanto preparo uma fraldinha ao molho de cerveja preta, para o almoço deste 02/07/2025.

Antes de qualquer coisa, meus amigos…, isso é tudo resistência. “Estou em milhares de cacos, eu estou ao meio”, como diria Adriana Calcanhotto.

E ao som de Caetano, eu comecei a pensar na oração do Pai-Nosso, porque ele pergunta na música: “Será que nunca faremos senão confirmar a incompetência da América católica, que sempre precisará de ridículos tiranos?”. Quem me lê aqui, sabe que, na minha tese, o cristianismo constantiniano já fracassou, por não adequar o projeto de evangelização aos avanços do mundo moderno.

E acho que isso ocorreu por falta de competência linguística mesmo, por julgarem, em vez de conhecerem, o público-alvo da mensagem cristã, e por descontextualização das variáveis de recepção.

Todo mundo tem sede de Deus, enquanto as igrejas têm sede de grana. Eis tudo.

Por trás desse fracasso, tem a ideia da tentação. Jesus nos ensinou a pedir ao Pai que não nos deixe cair em tentação. Mas quem determinou o que é a tentação? É a vontade de cometer derivados de soberba, avareza, luxúria, ira, gula, inveja e preguiça?

Pois é. Mas se a gente for analisar essas vontades ou tendências humanas bem de perto, veremos que são variáveis incontroláveis, posto que estão naturalmente na subjetividade peculiar de cada eu, e pertencem ao campo de seu livre arbítrio.

Legislar sobre isso, impondo ao infrator penalidades espirituais ou extratemporais, sem considerar o complexo indigesto de variabilidades temporais, a meu ver, é pura burrice.

E os que não refletem sobre essa determinação cultural, acabam por compor e confirmar a incompetência da América católica, que sempre precisará de ridículos tiranos. É isso.

Em 1984, quando essa música foi lançada, as pessoas já se sentiam tão ridículas quanto o Diabo de Machado de Assis, que no conto A Igreja do Diabo, acha que vai vencer Deus, criando sua própria Igreja, baseado na tese de que as virtudes são semelhantes a rainhas cujo manto de veludo se arremata em franjas de algodão.

Como o algodão é um tecido mais frágil que o veludo ou a seda pura, o Diabo pretendia puxá-las por esse arremate, e dizia a Deus: “Atrás dessas virtudes virão as de seda pura”.

E, na realidade, estão indo mesmo. E ninguém atina que a Igreja (ou as igrejas) sejam o grã-mestre de obras, nesta sociedade onde soberba, avareza, luxúria, ira, gula, inveja, preguiça e seus derivados, sejam agora válvulas de escape e não mais pecados capitais.

Certo estava Renato Russo, “nos deram espelhos e vimos um mundo doente”.

Eu, que sou professor, lhes digo que ninguém quer mais espelhos. Ninguém quer mais saber se o mundo está doente.

Estão todos fazendo de conta que soberba, avareza, luxúria, ira, gula, inveja e preguiça sejam coisas “dos outros”.

Quando comigo, não é soberba, é “amor próprio”; não é avareza, é “meritocracia”, mesmo sem isonomia; não é luxúria, é “direito de amar e ser amado”; não é ira, é “reação à provocação”; não é gula, “a gente trabalha pra isso”, mesmo que tenha alguém passando fome, que também trabalhe ou queira trabalhar; não é inveja, é “senso de justiça, poxa!”; não é preguiça, é “descanso”.

E há um fundo de verdade nisso, porque eu também acho que, tanto o Papa Gregório Magno, no século VI, quanto Tomás de Aquino, no século XIII (não XVIII), ao teorizarem sobre os 7 pecados capitais, inadvertidamente lançaram bases teóricas e antropocêntricas, com argumentação teológica, do atual neoliberalismo económico. Por isso cristãos fazem isso sem culpa e esperam que todos o façam.

Todos se converteram à Igreja do Diabo e já traíram o próprio Diabo.

Esse povo precisa de fé para quê, hein!? Para fugir da realidade criada por eles mesmos e se servir de Deus e do Diabo com muita boçalidade?

“Enquanto os homens exercem seus podres poderes, motos e fuscas avançam os sinais vermelhos, e perdem os verdes. somos uns boçais”

— Helder Bentes

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Sobre Helder POEMA HIPÓCRITA (Helder Bentes) Prefiro escrever meu próprio poema, Metáfora errante de minha história, Antítese do nada de quem, Em vez de escrever seu próprio poema, Ocupa-se em me idealizar alguém ou ninguém. O que de mais idiota há Que se adequar às expectativas de outrem? Há maior sabotagem Que o se fazer um tudo que dera errado Por atender às demandas De um fado por outro traçado? Mas, e a religião? Porém, e a família? Contudo, a sociedade toda via, Com tudo, o coração, todavia, Esse comboio de cordas que, Entre tanto, entretém a razão. Nas adversidades do existir, Difícil equilibrar-se. Contradições, Oposições, Antíteses, Paradoxos Desafiam a lógica dos sistemas. Se eu não cultivar minha própria lógica, Serei o outro, o outro será eu, E não seremos ninguém Neste todo hipócrita poema.

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