Alô, Alô, Hedy Lamarr!
Mulher de beleza estonteante, casada com a maior fortuna da Áustria, atriz mais controversa do cinema germânico, numa noite de 1935, depois de embriagar o marido nazista, foge com todas as joias para estrelar na América com o nome de Hedy Lamarr.
Lamarr foi responsável pelo primeiro nu feminino do cinema em Êxtase, ainda na Europa, e reinaria nas matinês com reprises ininterruptas de clássicos como Sansão e Dalila.
O poeta jamais esqueceria sua primeira sessão no imenso Cine Caiçara, quando Lamarr dividia as telas com Victor Mature no épico bíblico em triunfal cinemascope. Hedy fugiu por não compactuar com as vendas de armas pelo marido aos regimes nazi-fascistas, por ter raízes judaicas e para ser mulher sem pedir permissão para nada, num tempo que mulher e submissão eram sinônimos. Madrugadas em fuga pela França, atravessando o Canal da Mancha até chegar a Hollywood, sem muito esforço para provar sua estupenda fotogenia e talento.
Com todo fascínio de Vivian Leigh e Rita Hayworth, Lamarr era a mais sublime e mesmo celeste atriz do cinemão: diva, tinha algo de transcendente. O segredo de Hedy era não caber num só modelo, era a curiosidade encarnada a superar o estereótipo de que beleza e erotismo não combinam com inteligência.
Quantos milênios de opressão sufocaram mulheres de talento pelo uso e abuso machista! O tempo de Da Vinci e Camões foi o tempo da poeta Teresa D’Ávila! Dedilhando seu piano com o excêntrico compositor George Antheil, a deusa de Viena sugeriu um sistema de comunicação secreto a partir do conceito de salto de frequência, que poderia ser usado para guiar torpedos de modo inviolável na defesa aliada. Sem ter ganhado crédito, suas sugestões foram decisivas em dispositivos de Wi-Fi, Bluetooth e, claro, o celular, nosso fetiche onipresente.
Hedy Lamarr, no olho do furacão, na Califórnia, celeiro de ideias e com contatos certeiros, foi a propulsora de artefatos que moldaram a difusão de apetrechos pessoais de comunicação sem fio. Reclusa nos arredores de Orlando (sim, apesar de tudo a Flórida é capaz de atrair charme), podia ser vista pechinchando em lojas de conveniência algum Bourbon, sem nunca aferir um níquel de suas contribuições para a indústria tecnológica. Só uma menção eternizando-a no Hall da Fama de inventores, que logicamente não pagava os boletos.
Criatividade, teu nome é mulher!
Com que coragem, desde os primórdios, foram mulheres como Lamarr audazes e sufocadas, a romper obstáculos em nome de ousar saber. Belo dístico do latim sapere aude: ouse pensar por si mesmo! Obras e ideias paridas por mulheres quebrando o monopólio de machos entre guerras, disputa de poder e fundação de religiões excludentes.
Inesquecível sua filosofia de vida nestes tempos de acomodação e apatia bovinas: envolva-se. Esse é o segredo. Experimente. Junte-se a tudo que te aprimora. Conheça coisas e pessoas que te engrandeçam além do brilho fácil. Curiosidade é outro nome de crescer. Aproveito, caro leitor, para recomendar o ótimo romance biográfico de Marie Benedict, A única Mulher, e, claro, reassistir Hedy Lamar, começando com Estranha mulher, que tem tudo a ver com quem nunca esperou para inventar: começando por si própria. Acaba de chegar o celular que dobra em três!
Mulher é tantos!
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