um sol desdenhoso arranha o dia: ele espia miúdo, casmurro, bate em minhas pálpebras desnorteadas,
dia feio, arremato, as nuvens eriçadas ousam sequestrar a luz, a alegria, o ânimo, a firmeza: avançam,
as blusas, as jaquetas se preparam no guarda-roupas: tento afugentar o mofo com uns tapas desajeitados,
sou eu que deformo tudo?,
contemplo a cortina e descubro a manhã: de repente um rastro de café rastreia meu olfato, um pão de queijo estalando no forno, tenho certeza, isso não basta para a beleza, para a felicidade, até?,
é assim,
as costas ardem na cama, o desejo enfesta tudo,
às vezes nem quero sintonizar o jornal, mas preciso, é um vício saber dos despropósitos do mundo,
mesmo sabendo que há coisas terríveis, salpintadas de ilusão, mesmo sabendo que o tiro está lá, que a violência está lá, que a corrupção, a guerra, os conluios, a sordidez, que tudo contribui para o dia horrendo,
as notícias sobre os bebês reborn, que não cabem aqui, nesta crônica, mas enclausuram a sobriedade, e, helena, é preciso comedimento para encarar essa garoa se infiltrando na manhã de concreto,
estas plantas são para amenizar?, as gatas?,
precisamos de sol, mas ele se esquiva,
as sombras flamejam o egoísmo,
demais.——
foto: atlantios, pixabay
https://www.cronicadodia.com.br/2025/05/bebes-reborn-whisner-fraga.html
Autor
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Whisner FragaNasceu em Ituiutaba (MG), em 1971. É autor de As espirais de outubro (2007), Abismo poente (2009), O que devíamos ter feito (2019), entre outros. Tem contos traduzidos para o inglês, o alemão e o árabe. É responsável pelo canal Acontece nos livros (YouTube), em que fala sobre obras da literatura contemporânea.
Criatividade em tom acertivo nesse cotidiano “horrendo”.
Bravo!
Criatividade em tom assertivo nesse cotidiano “horrendo”.
Bravo!
Lido