
NÓS E EU Se me quiseres junto, aviso Que não venho só – não sou só. Tenho meus sonhos, envoltos em mim, Como a casca da cortiça no sobreiro, Malha colante do corpo ensopado De tentativas vãs, todas símbolos Das horas roubadas durante o tempo Em que deixo de viver e invento Vários jogos sobre o que me cerca. Todos (ou a maioria) de retificação. Se me quiseres por perto, previno Que a metade do que vivo passo Sonhando com a outra metade: A que aparenta o que deveria ser. Entre as duas uma linha cega Divide todas minhas andadas; Não se confrontam nem querem. Apenas delimitam o que sinto: Que uma morre por conduta Na procura do ad multo anos, E a outra, de sorte etérea, Canta e se resguarda em versos. A do chão é uma espécie de nós, E não se reluta em sorrir ao Sol. Mas, a das sombras das palavras, Só se mostra como um eu de asas. O CAMINHO DA VIDA pensando em Kurosawa Na minha cidade não havia bondes. Mas sei que os perdi. Várias vezes. Certa feita, peguei o destino e me fui A um lugar onde não soube remar. Encontrei bondes que não eram meus. E meus barcos e velas submergiram No asfalto de minha indefinição. Voltei. E continuei vendo bondes Imaginários, passando dosdeskaden Defronte meu coração de fantasia, No relógio imenso e febril da estação Do trem, que velejava por cafezais. Talvez por isso não me tinha cais, Nem mar, baía ou costa navegável. Apenas vielas e córregos interiores Pensados como uma imensidão. Hoje sei que foram vidas que perdi. Uma a uma se extinguiram no agravo Do amarelo de abandono. Passei A locomover-me por versos singrados Nos trilhos, que se tornaram fábulas De mim mesmo. Com montanhas, bondes E lagos. Todos eles de Era uma vez. NO BANCO DO JARDIM O ponto é negro no papel em branco. Escrevo e leio em negro no branco do papel. À noite leio no negro da tela palavras brancas. E a tudo me traz o que quero e preciso. Fossem amarelas, vermelhas ou de burro Quando foge, seria exatamente o mesmo. Qualquer que seja a cor, a palavra intolerante Quer dizer sempre intolerante, nada mais. MANHÃ AZUL Um pequeno pássaro (enquanto o Sol me saúda) Sana minhas dúvidas. PÁSSARO DE INVERNO
Trago a vida de hoje como passos
Sem roda na cidade despreparada
Para sonhos lentos. Junto a degraus
(muitos) coleciono anacronismos.
Meu pai sentenciou num dia de riso
De largueza cínica que sou do contra:
(vide todos estes versos)
Tomo banho em águas de rios repassadas.
Nas tardes sento em nuvens por aí,
Repartido em grande leque de quereres.
Mais visualizados
Autor
-
Alfredo Rossetti mora em Ribeirão Preto, SP. "O resto de minha biografia é uma condensação de perplexidades, expostas neste sítio "Trem das palavras". Fora do que escrevo, tudo é apenas uma questão de estar em algum lugar. Louvo a intrínseca necessidade de expressar-me, arma contida que consegue decepar os totens que se me apresentam.
Uma resposta
Alfredo Rosseti já é Patrimônio Cultural de Ribeirão Preto.