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‘Cala, ouve o mundo’ – Poemas de Antônio Moura

Ouve o Mundo

                A Marcilio Costa

Cala, ouve o mundo, há sempre
uma voz em tudo – um coaxo,

um sibilo, um crocitar, um zumbido,
um gorjeio, um zurrar, um rumor

de água, um silvo, um vento, um
far                        fa                          lhar,

um balido, um trino, um latido,
um cicio, um grunhido, um grasnado,

um sussurro, um rosnado, um ron
ronar, um rugido, um bater de asa,

um estalo na viga da casa, um ecoar,
um latejo na têmpora, um temporal,

um trovão, um ranger de porta, um
inaudível desabrochar, um cricrilo,

uma sílaba ci ci ci ci ci ci ci cigarra,
um sino, um relógio, uma badalada,

um último suspiro, um novo ser
a respirar, um gemido amante,

o som de uma lágrima que cai no olvido,
uma vida inteira a murmurar – e no fundo

de todas as vozes inanimadas e animais
a voz do espírito que a tudo anima.

Ouve – há sempre uma voz em tudo.
Fica – um instante – mudo

&

A Descida aos Infernos

No crepúsculo – lobo franzindo as
fauces roxas – sinuosa, estende-se a

estrada ladeada de árvores tortas
e folhas ressecadas pelo ar do crime

e pelos ventos soprados das nuvens
que se reúnem no horizonte, som de

sombras, entoando um hino, atraindo
as lanças de um eterno e furioso inverno.

No crepúsculo, ecoa a queda do pássaro
que extraviou seu vôo pelos céus em brasa

e, agora, com suas asas chamuscadas,
claudica no chão das câmaras mortuárias

No crepúsculo – rio vermelho de lágrimas
dos deuses que choram sua imortalidade – o

funeral do sol assinala – faraó – a sentença
de morte a todos os animais apascentados

que pastam nas planícies do paraíso – atira
seus dardos mortais contra a ave dos vaticínios.

No crepúsculo – rosa corroída por espinhos
de violeta melancolia – o Castelo de Mefisto

ergue-se no ar e desmorona sobre o peito
que canta, para espantar os espantosos

espantalhos, saídos, vivos, de suas ruínas

&

Cotidiano

Dia após dia,
uma sombra que nasce
no chão em chamas
da manhã – e sobe
pelo claro cordão
da tarde, para
dormir no escuro
crucificado a uma estrela

&

O Sopro do Esquecimento
                                                                      A Adriana Zapparoli, por suas flores no inverno

Flores amarelas sobre a grama
– Breve incolores, mergulhadas
na água invisível do tempo
Anos, países, povos, pestes,
a onda de terror da noite,
a flama da seta que voa de dia,
apagam-se na face dos espelhos
Só o sopro do esquecimento
faz suportável este pensamento

Antônio Moura nasceu em Belém do Pará, residiu em São Paulo, Lisboa e atualmente vive em Belém.

Poeta e tradutor. Tem sete livros publicados: quatro de poesia e três de tradução: Dez (Super Cores – Belém, 1996); Hong Kong & outros poemas (Ateliê Editorial – São Paulo, 1999); Rio Silêncio (Lumme Editor – São Paulo); A sombra da Ausência (Lumme Editor São Paulo); Quase-sonhos (tradução de Presque-songes, de Jean-Joseph Rabearivelo – Lumme Editor – São Paulo, 2004); Traduzido da noite (tradução de Traduit de La nuit, de Jean-Joseph Rabearivelo – Lumme Editor, São Paulo 2007) e Contra o segredo profissional (tradução de Contra el secreto professional) de César Vallejo – Lumme Editor – São Paulo 2006).

No ano de 2008, o seu livro Rio Silêncio ganhou o Prêmio John Dryden, na John Dryden Translation Competition (Londres), em tradução para o inglês de Stefan Tobler. Em novembro de 2012 publicado pela editora inglesa Arc Publications – Londres – Inglaterra, com lançamento e turnê de leituras por cidades do Reino Unido. Premiado na edição de 2012 da Bolsa de Pesquisa e Experimentação do Instituto de Artes do Pará, com o projeto-livro Nau sem porto – A correspondência inescrita entre Rainer Maria Rilke e Paulo Plínio Abreu. Em dezembro de 2013 foi publicado na Espanha, Valéncia, pela 96 Edicións, em tradução para o catalão, por Joan Navarro. Em 2014 foi editado no México, pela Editorial Calligramas, em tradução para o Espanhol, por Victor Sosa. Está sendo traduzido para o alemão, por Niki Graça, e para o francês por Cécile Alves. Nacional e internacionalmente publicado em diversas antologias e revistas literárias, na Alemanha, Espanha, Inglaterra, Portugal e Estados Unidos. Trabalha na tradução do poeta franco-belga Guy Goffette, e no romance A outra voz.

Antônio Moura. poeta, letrista e publicitário.
Foto do autor

Antônio Moura nasceu em Belém do Pará, em 1963. Poeta e tradutor, tem 17 livros publicados: 14 no Brasil (9 autorais, 5 de tradução) e 3 no exterior (Reino Unido, Catalunha e México, com traduções, respectivamente, de Stefan Tobler, Joan Navarro e Víctor Sosa). Entre esses, os livros "Silence River", premiado na John Dryden Translation Conpetition (Reino Unido), com turnê de lançamento por oito cidades da Inglaterra, passando por Londres e Oxford; a antologia “A guerra invisível”, antologia indicada ao Prêmio Candango de Literatura 2022; e Poesia Reunida, editada pela UFPA – Universidade Federal do Pará. Diversas vezes publicado em revistas e antologias nacionais e internacionais, incluindo Portugal, Estados Unidos, Espanha, Alemanha e França.

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