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CANTOS DA AURORA – A crônica viva de Fernando Dezena

“Cantos da Aurora” — Conto de Fernando Dezena | Ver-O-Poema

Cantos da Aurora

Ilustração para o conto 'Cantos da Aurora' de Fernando Dezena

Madrugadinha, lendo Lua do dia do Ricardo Fernandes, um piado incessante começou do lado de fora. Não, não tem nenhuma árvore que possa pender um galho junto à janela de meu escritório, para dar guarida ao sabiá que, em tonalidade única, repete a mesma nota. Tenho vontade de olhar lá fora para ver de qual canto vem a sua voz.

Ontem à noite, antes de dormir, buscava no cérebro um remedinho para fechar os olhos e sonhar. Mas o latido insistente de um cão me deixou desassossegado. Cada vez que o sono se aproximava, ele me trazia de volta. O sabiá, agora canta com extensão variada; acho que estava apenas no gargarejo. Preocupo-me: e se o danado resolver cantar todas as madrugadas? Meu silêncio de cronista irá pelos ares. Já me bastava o vozerio dos taxistas. Se fosse fuxiqueiro, ficaria atento e imantaria algum assunto para o meu caderno, mas ouço apenas o barulho das vozes sem distinguir as palavras.

Esses sons de pássaros me lembram de uma notícia curiosa. Uma repórter da CBN disse, sobre o caso de dezenas de canários apreendidos de um contrabandista de animais:

— Ao abrir as malas, os pássaros gritavam sem parar.

Nunca soube que passarinhos gritam, afora os papagaios. Depois, vendo que cometera um equívoco, emendou dizendo que os pássaros cantavam ao serem descobertos. Tem de ser pássaros descendentes de Carlos Gardel para, em vez de ficarem assustados, cantarem ao serem descobertos. Só faltou erguerem as asinhas em agradecimento. Programas ao vivo são perigosos para os mais renomados repórteres.

Continuar a ler e escrever, agora que já é dia, é um desafio. O barulho da cidade acordando não me deixa concentrar. O sol não nasceu, mas a claridade da aurora deixa ver o contorno dos prédios. Os taxistas correram para seus afazeres transportando as pessoas ao trabalho, à escola, ao banco no socorro do cheque que vai cair. Ainda existem cheques que caem sem fundos? Acho que não. O sabiá calou-se. Não é bobo: logo pela manhã acha uma minhoca distraída nos canteiros secos.

Olho para a pilha de livros e penso: ler também é como ouvir passarinhos — cada voz me chama em seu tom, e eu vou saltando de galho em galho, de página em página.

— Fernando Dezena
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