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Cinco poemas de Paul Valéry

Naissance de Vénus

De sa profonde mère, encor froide et fumante,

Voici qu’au seuil battu de tempêtes, la chair

Amerèment vomie au soleil par la mer,

Se délivre des diamants de la tourmente.


Son sourire se forme, et suit sur ses bras blancs

Qu’éplore l’orient d’une épaule meurtrie,

De l’humide Thétis la pure pierrerie,

Et sa tresse se fraye un frisson sur ses flancs.


Le frais gravier, qu’arrose et fuit sa course agile,

Croule, creuse rumeur de soif, et le facile

Sable a bu les baisers de se bonds puérils ;


Mais de mille regards ou perfides ou vagues,

Son oeil mobile mêle aux éclairs de périls

L’eau riante, et la danse infidèle des vagues.


Nascimento de Vênus

Recém-nascida, ainda fria e fumegante

Eis no trovão da tempestade, sua carne

Expelida à luz pelo mar, amargo encarne

Mimo da tormenta, cintilante diamante.


Seu sorriso se forma, e logo os braços brancos

Irisdescente brilho que o ombro morto verte,

Joia que a aquosa Tétis em vida converte

Ao roçar, sua trança arrepia os flancos.


Irriga o cascalho em sua corrida ágil,

Eis vazio, voraz rumor de sede, e a fácil

Areia bebe o beijo do salto pueril;


Mais de mil visões, as mais sórdidas ou vagas

O olho capta no sinal do perigo vil

A água saliente e a infiel dança das vagas.

• • •

Le bois amical

Nous avons pensé des choses pures

Cótê à cóté, le long des chemins,

Nous nous sommes tenus par les mains

Sans dire… parmi les fleurs obscures ;


Nous marchions comme des fiancés

Seuls, dans la nuit verte des prairies ;

Nous partagions ce fruit de féeries

La lune amicale aux insensés


Et puis, nous sommes morts sur la mousse,

Très loin, tou seuls parmi l’ombre douce

De ce bois intime et murmurant ;


Et là-haut, dans la lumière immense,

Nous nous sommes trouvés en pleurant

Ô mon cher compagnon de silence !


O bosque amistoso

Contemplamos coisas mais puras

Lado a lado em via de ramos

Damos as mãos e as seguramos

Mudos… entre flores obscuras;


Vamos enamorados natos

Na noite verde, campo em luto

A sorver feérico fruto

Lua, amiga dos insensatos.


Depois já sepultos na espuma

Longe, tão sós na doce bruma

Do bosque que murmura cantos,


E no alto, em pleno alumiar

Nos achamos vertendo prantos

Ó díspar silencioso par!

• • •

Um feu distinct…

Um feu distinct m’habite, et je vois froidement

La violence vie illuminée entière…

Je ne puis plus aimer seulement qu’en dormant

Ses actes gracieux mélangés de lumière.


Mes jours viennent la nuit me rendre des regards,

Après le premier temps de sommeil malheureux ;

Quand le malheur lui-même est dans le noir épars

Ils reviennent me vivre et me donner des yeux.


Que si leur joie éclate, un écho qui m’éveille

N’a rejeté qu’un mort sur ma rive de chair,

Et mon rire étranger suspend à mon oreille,


Comme à la vide conque un murmure de mer,

La doute – sur le bor d’une extrême merveille,

Si je suis, si je fus, si je dors ou je veille ?

Album des vers anciens – 1890-1900 (1920)


Um fogo distinto…

Um fogo frio me dá calafrio

A vida cruel fica iluminada…

Só quando adormeço tem o amor brio

Sua carícia fica perfumada.


Passa o dia e a noite cuida de mim

Após a fase infeliz do verão

Dilui a dor na escuridão enfim

Ela me restaura a vida e a visão.


O seu eco de alegria me acorda

Rejeitei um só morto para amar

Meu riso estranho a orelha aborda,


Como à oca concha murmura o mar

A dúvida – milagre nunca visto,

Se sou, se fui, se durmo ou se me avisto?

• • •

Les grenades

Dures grenades entr’ouvertes

Cédant à l’excès de vos grains,

Je crois voir des fronts souverains

Éclatés de leurs découvertes !


Si les soleils par vous subis,

Ô grenades entre-bâillées,

Vous ont fait d’orgueil travaillées

Craquer les cloisons de rubis,


Et que l’or sec de l’écorce

À la demande d’une force

Crève en gemmes rouges de jus,


Cette lumineuse rupture

Fait rêver une âme que j’eus

De sa secrète architecture.

Charmes (1922)


Romãs

Rígidas romãs entreabertas

Cedem ante o excesso de grão

Lembram cérebros em ação

Pipocam suas descobertas!


Semiabertas, visam embates

Se um implacável sol as banha,

Fazem jus à sua façanha

Rompem os muros escalartes,


Se na seca casca dourada

Uma força é aplicada

Jorram as rubras gemas sangue,


Nesta luminosa ruptura

Vislumbra a minha alma langue

Sua íntima arquitetura.

• • •

Le vin perdu

J’ai, quelque jour, dans l’Océan,

(Mais je ne sais plus sous quels cieux),

Jeté , comme ofrande au néant,

Tou un peu de vin précieux…


Qui voulut ta perte, ô liqueur ?

J’obéis peut-être au devin ?

Peut-être au souci de mon coeur,

Songeant au sang, versant le vin ?


Sa transparence accoutumée

Après une rose fumée

Reprit aussi pure la mer…


Perdu ce vin, ivres les ondes !…

J’ai vu bondir dans l’air amer

Les figures les plus profondes…


O vinho perdido

Lancei no Oceano impoluto

(o céu não me vem à lembrança)

Vinho de toda confiança

Com algo de vinho absoluto…


Ó licor, quem quis esse fim?

Segui o que me disse o adivinho?

Ou só o coração enfim,

Pensando em sangue e em verter vinho?


Quando esvai a rósea aparência

A sua usual transparência

Torna bem mais límpido o mar…


Ó vinho perdido, ébria onda!…

Formas que ninguém jamais sonda

Vi jogadas no acerbo ar…

Foto do autor

Ambroise Paul Toussaint Jules Valéry nasceu em 30 de outubro de 1871 em Sète, cidade da costa mediterrânea francesa, e morreu no dia 20 de julho de 1945, em Paris. Na cidade de Montpellier, além do ensino secundário, estudou Direito. Nesse período, fez leituras decisivas que orientaram o seu interesse pela escola simbolista. Tornou-se próximo de André Gide e José-Maria de Heredia, sendo depois introduzido no seleto grupo de Mallarmé, a quem devotará amizade, admiração e será o seu mentor intelectual. Em 1894, mudou-se para Paris, onde tornou-se redator do Ministério da Guerra. Em sua vida pública e como intelectual, ocupou cargos importantes e foi distinguido com várias honrarias. Após viver crise existencial, permanece vinte anos sem se dedicar à poesia, só retomando-a em 1917 com o épico A jovem parca, escrito durante quatro anos. Em 1925, torna-se membro da Academia Francesa. No período de 1937 a 1945, foi professor no Collège de France, ocupando-se da cátedra de poesia, criada em sua homenagem. Foi conferencista, filósofo construtivista e ensaísta. Nesse último gênero, dedicou-se à arte poética. Entre suas principais obras, destacam-se os seguintes títulos: Introdução ao método de Leonardo da Vinci (1895), A noite com o senhor Teste (1896), A jovem parca (1917), Álbum de versos antigos (1920), Charmes (1922), Degas, dança, desenho (1938).

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