
São Paulo, 10 de agosto de 2025.
Minha mãe berrava da varanda: “Saiam do sereno, meninos!”
Aprendizado infalível: gripe forte é sentença de morte. Com a garganta ardendo de tosse seca, lembrei, meio nebulosamente, de um personagem de Machado que evitava o ar gelado da noite, mesmo perdendo a donzela para preservar a vida. Talvez Brás Cubas. Ou Rubião… pode ter sido até Bentinho.
O nariz começa a escorrer. Sinal de que algo não anda bem no meu organismo. Gabei-me, neste ano, por várias vezes, pela imunidade adquirida com a vacina tomada em abril. Convivi com jovens quase morrendo com a gripe saindo pelos poros e passei ileso. Agora, estou assim, assim. Ao sair do banho, à noite, tomei os cuidados de outrora e me protegi dos pés à cabeça. Sim, senhores, tenho uma boina que aquece a calva e traz grande conforto.
Quando criança, era teimoso. Mesmo com os berros de minha mãe — que ecoam nos ouvidos desta crônica — continuava a jogar taco ou futebol. Não me importava com o suor escorrendo pelo corpo, nem com o ar gelado que vinha da mata do bosque.
Queria ter mais forças, aquela de menino, para enfrentar as adversidades da vida. Quando jovens, não havia o que nos amedrontasse. A jornada é um tocar em frente com a certeza de que nada pode nos deter. Éramos invencíveis. Agora, com a morte espreitando pelos cantos, percebo: parte da coragem ficou pelo caminho. Não duvidem de mim. Fui às janelas do apartamento para ver se havia frestas por onde o ventinho gelado pudesse entrar. Perscrutei, lá fora, a escuridão, meio trêmulo. Um vulto envolto numa pelerine negra pareceu cruzar a janela — e sumiu como veio. A morte? Estou com medo da minha situação piorar.
Uma caixa de remédios está ali, à vista. Você já viu algum homem, com menos de trinta anos, colocar sobre a mesa pílulas e antitérmicos só por uma ardência na garganta? Então, as pílulas venceram em junho, estamos em agosto, será que minha querida mãezinha me autorizaria a tomar algumas?
Não, não, não… não as tomarei. Se for para ir embora, que não seja gripado, nem abatido por pílulas vencidas. Prefiro partir com elegância e com a boina na cabeça.
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Autor
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Luiz Fernando Dezena da Silva é natural de Águas da Prata, SP e atualmente mora na cidade de São Paulo. É poeta, contista e cronista. Dirige o Cafofo do Dezena, um espaço que reúne seu blog, podcast (no Spotify) e vídeos no YouTube, além de marcar presença ativa no Instagram e Facebook com reflexões literárias, crônicas e poesias. É membro da Academia de Letras de São João da Boa Vista, Diretor da União Brasileira de Escritores – UBE e agitador cultural no Espaço Cultural da Boca do Leão.