Enigmas Futuristas
? qual o teor da efígie
(grafite escrito)
na esfera de espuma?
fascínio nas crendices
aprendizes da mesmice
das fábulas azeviches
? qual o teor da efígie
(espectro invisível)
na esfera de espuma?
humanoides
emitem esguichos
tristes timbres tirânicos
? qual o teor da efígie
(enigma escritura)
na esfera de espuma?
no carrossel de vertigens
feridas do horror
espelham o designer
da velhice prescrita
? qual o teor da efígie
(relíquia verídica)
na esfera de espuma?
espaço desértico
esquina do êxtase
na escalada herege
à erupção etérea
? qual o teor da efígie
na esfera de espuma?
• • •
PELE DE VIDRO
no céu purpúreo
os pássaros vítreos
) arco-íris em voo (
saíam
das chamas
refletiam
no preto do asfalto
o ballet do fogo
no largo do paysandu
uma cratera vulcânica
iluminava
a igreja dos pretos
o quilombo de vidro
derretia
o aço concreto
ardia em perdas
na madrugada
de primeiro de maio
o pele de vidro
desabou
quietude fumaçaria
90 minutos
24 andares
146 famílias
sem teto
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VÊNUS NEGRA (para Jeanne Duval)
na rua da mulher sem cabeça
a cabeleira afro-caribenha
mistério erótico
na tela de Manet
o mar a deixou em Paris
beleza crespa sensual
amante das amantes
palco cor e estigma
a mulher do dândi
assistia às prostitutas
de nossa senhora
lorettes expatriadas
futuras mães
da belle-époque
a beleza da pele
agrava a nobreza
o poeta e a atriz
cristalizam o ódio
o perfume exótico
na cabeleira serpente
que dança na varanda
onde nasceu?
quando morreu?
onde foi enterrada?
outro dia caminhava
na rua da senhora sem cabeça
para buscar o amante poeta
corroído pelo ópio e haxixe
com as flores do mal
numa das mãos
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BONECA ESPECTRAL
O fantasma da favela procura a maleta
que guarda a boneca da última tragédia,
busca o eco do sossego caído do pesadelo
jogado pelo mancebo próximo ao degredo.
A floresta enferma torna-se matéria etérea,
rasteja pelas veias do planeta rubro flamejante
rumo a fronteira do anúncio das trombetas.
Esqueletos dilacerados num formigueiro,
cães cegos comem cabeças de crianças.
A favela vulcânica supera o futuro do chumbo
na passagem subterrânea da caverna do absurdo,
flerta com a beleza da odisseia onomatopeica
do evangelho escrito no dialeto das chamas.
A boneca fantasma acéfala do sequestro,
celebra na sarjeta a vinheta do sucesso
hiberna no poema rarefeito do sossego.
A estrela do silêncio denuncia o etnocídio,
abutres bíblicos comem cabeças de bonecas.
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NATUREZA ORNAMENTAL NO VERÃO MEDITERRÂNEO
um verde fim de tarde
nas colunas-árvores-
-petrificadas
do parque güell
a penumbra
brinca
de esconde-esconde
nas pedras
do calvário
um míssil vigia
as torres
da sagrada família
na perfeição tortuosa
dos dias extensos
no banco-serpente
colorido mosaico
ouço carinhoso
o vento dança
pixinguinha surfa
entre as curvas
da praça-cerâmica
enlevo-me
com a música
do violino
encantado
pelos acordes
instantâneos
do pertencimento
e meu coração
não sei por que
no lilás subterrâneo
de dragões-camaleões
vestidos de mosaico
bate feliz
✽ ✽ ✽
DO BARÃO DO ÚLTIMO SAMBA
o banjo
toca o último
arranjo
, prelúdio eurrítmico
dos uivos litúrgicos
, rimando
melindres
diálogos
carícias
, espetáculo ciclópico
da melodia.
o banjoísta
frágil de vinho
virtudes
vizinhos
vícios
, zanza zonzo
na contradança
tátil
das cordas
, vibrátil compasso
passo
a
passo
absorto
bêbado
cíclico
melódico
, no código torto
do banjo.
o último gole
no melancólico
cálice.
uísque de grife
da mesmice
, no baile
da velhice.
o banjoísta
não ouve
o último vibrar
das cordas.
no chão
o banjo-cálice
em vitrais
silencia.
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BEIJA FLOR DE ORELHA AZUL
o colibri de monóculo
busca no bosque
a quietude dos insetos
frêmito com tamanha iguaria
aranha-cereja dieta proteica
a ninfeta sem orelhas
pousa de asas entreaberta
flerta com o pássaro-poeta
de flor em flor chovem polens
o néctar vital, beijo lilás
o beija-flor namoradeiro
para vibrando
acrobacias de encanto
teias de aranha, musgos, líquens
cálice-ninho na forquilha da árvore
Jorge Amancio
