Entre sopros e lampiões se acende a força da poesia de Rosa Ataíde

rosa a. — poesia corporal
Inside

estou atenta ao meu corpo
cada curva
um fascínio
e alucino

meu coração palpita a 80bpm
minha respiração flui suave
quando

...me sacio

tem um misto de re/pulsa
tem um tanto de a-dor-ação
e ao tocá-lo
docemente me perdi

debaixo de minhas unhas:
delicadas peles soltas
que mordisco em horas de agonia,
carne que sangra,
resíduos de tudo que toco
e um cheiro agridoce
que invadiu minhas narinas
logo após

...tocar o emaranhado de meus cabelos que está
em confluência com minha nuca
colo, seio
e se estende à minha dorsal

estou atenta
até onde os fios correm,
me distraí
em meu mamilo esquerdo
por alguns minutos,
acabei quebrando meu dente
ao morder o lençol
na tentativa de abafar meu gemido
que ecoaria
e embora baixinho
acordaria os lobos uivantes do quintal

foi como uma inocente que descobri meus dedos
eles são longos e delicados
suas pontas róseas
quase transparentes contra a luz
eles se umedecem
e se aquecem quando com algum afeto
toco

...meu sexo

estou atordoada,
pois aquém da carne, do desejo
da ânsia de satisfazer...
da pele para dentro
neste interno "eu" que desconheço
e que crítico, reprovo
condeno e amo

...me pre/conceito pessoa
me abstrato gente
me viro cinzas
me viro ausência de matiz
me enegreço
e é bom decorrer entre o nada
logo após

...ser gozo

atenta ao meu corpo
me desnudei ao ponto de entender
que do interno pouco sei
e do interno ainda quero descobrir
vazios de silêncios,
esse oco que adentra de minha boca
até o períneo e que sela
eu saco de ossos

e permite adentrar réstias de
o que gesto?
o que nutro?
o que parto?

alguma luz? cor?

descanso minha pena sobre a mesa
ví um substrato de palavra escorrendo em minha virilha
e sinto dores
digo mais logo após

...nascer o poema

rosa a. — mais forte
mais forte!
muito mais forte que um potro selvagem
a mão que aperta o pescoço
onde bafeja por detrás
palavras putas, profanas

mais forte!

a carne não perdoa a pele
que penetra
mundana, outra carne, a carne coisa...

tem fome e é voraz
e se ergue como a égua
em prados e se rasga
para sentir
a eletricidade percorrer a crina

o formigamento
a penetração a enrijecer os músculos
o tormento do amansar o tenso do semblante

o pressionar, o relaxamento
a suavidade das cavidades
entre ósculos enternecidos
dos amantes

para na pequena morte
eternizar, como inesquecível (...)

ah, o abalo do tremor...
que faz do corpo, espasmo

o gozo!

nada sentir
para sentir-se
mais potente

o mais forte
que a carne exige

enfim sobre a pele última
o pouso

aterrissagem do corpo que forte!
cansa
e adormece
e repousa sobre o exausto do 'meu corpo

e não sei mais o caminho
me perdi na relva de teus olhos
enevoados

guardados em um resquício de memória
de quando me eram nítidos
e dentro de minha carne
me dedilhava

foco cravado
... muito mais forte!

rosa a. — diabo no gelo
o Diabo na Terra do gelo
faiscava azul, fazia frio
por todos os lados geava
e todo ruído parecia de agonia

sentia-se fraco
desnorteado
a pele ardida cortada pela neve
arrepiava-se, e aquele sem medo
pavor sentia

era então uma mancha vermelha
em meio ao branco de uma qualquer tarde
uma flâmula errante
que vacila

fora condenado
pela língua bifurcada, vadia

e nenhuma alma levara consigo...
salvara a todas do limbo

a derrota enfim
o maior sacrifício

tão alva, esquálida a derrota

nenhum estampido
da derradeira Paz a bandeira erguida

a vênia
lhe percorria cortante entre as veias

um inferno!
um profano silêncio,

rosa a. — máquina de føder mundo
máquina de føder mundo
uma máquina de føder mundo
me penetra os orifícios

quero o vapor
de um espaço qualquer
pelo vapor de seu respirar
em minha nuca
no liquefeito gøzo
- refrescagem –

a máquina me exige telepresença
assepsia no toque

uma máquina de føder mundo
me come a carne dos dedos
síntese passiva
quando despertos
me/nina para que adormeça
e sonhe com a máquina
e algo humano
está contido na máquina de fazer sonhos
que me føde

pesa o meu punho
que se fecha
para aliviar a dor da máquina
a me penetrar o olho cego
e se repete em minhas mãos
e na tua
abertura de túnel de carpo

uma máquina de føder mundo
me sequestra
me invade sem que permita
mas que meu corpo todo busca em fluxos
querendo saciar desejos inconscientes
transbordando minhas beiras

e quando clamo por ela
rapidamente ela se põe erétil
e me perpassa a carne estéril

é quase meu homem...
sou quase sua mulher

tudo muito puro, e profano
que fødida pela máquina
a puxo pelas pernas
numa força descomunal

- me føda
lentamente
e me ejacule por via auditiva sem fio
sem vestígios ou rastros

a máquina que me føde
invencível no mundo
me mantém segura
longe de ossaturas e carnes
reais

uma droga
faz que me sinta cheia
mesmo estando vazia
sou quase a máquina
mas ainda preciso de vapor

qualquer dia a máquina
me acopla a um cooler
de arrefecimento
aí sim a máquina de føder mundo
ira me possuir total

esta mesma máquina que me føde
e gøza
em tuas mãos

rosa a. — o sopro
o sopro
as rasuras da insensatez
diz o não, ao que pondera.

a emoção afirma o sim.

mas há a inexpressividade que nada diz.

coisa de poeta, eu sei.

uma mordedura passional, ressoa na memória.
crimes de amor são mais fáceis de perdoar.

esse quase... isso que não existe...

possui mãos frias que se aqueceram
no mesmo abraço que recua do corpo
inerte.

há um suave sentir,
uma leve e gostosa perversão.

sacuda as águas turvas de minhas lágrimas,
espere que elas se acomodem
e mira bem antes de se contradizer:

quanto tempo perdura
a efemeridade sobrevivente da apatia?

ora... quem nada sente, não encara o reflexo
do, amor?

a ampulheta se parte diante à chama
que arde ao ponto de incendiar.

sopra?

rosa a. — aos punhos
aos punhos
aos punhos
os versos dados ao tempo

acaso distorceram as linhas
de nossas mãos?

não há como saber
de certo não acreditamos em acasos
talvez seja parte de algo traçado
meio sem rima, métrica

em meio ao fonema
um hiato

aquilo que me deste
esta mesma arte que penetra

por que me deste?
por que a entrego?

não por ardores
sabemos, ardemos em qualquer canto

sei de uma paixão
que tal lâmina me atravessa

mas um mover da vida exige mais que punhos
e linhas transversas
ou corpos chamuscados

mas talvez, farpas nos dedos
ciscos nos olhos _arregalados
a dizer de nossas vulnerabilidades
em versos

com sopros
sussurros
e saudades

de mais uma estação que se despe
num novo calendário
e ainda te quero

tão quente é
a têmpera das nossas transparências

que forja a clava
da poética que nos ata

as mãos
distantes

e só digo de mim
através dos meus punhos
abertos

r
rosa a. — afet/ação
afet/ação
como uma alma se desfaz
de um ato?

qual o fio, qual corda
desata

...o ponteiro da adaga das horas
crápulas?

estou pensando... Fera,
aquilo que delírio
já fora, antes
do talvez acontecimento, afeto?

então se de fato ocorreu
tal cena e a cortina
em seu veludo rubro
encerrou com peso a Peça
e os atores tiraram suas máscaras
e agradeceram ao público
de joelhos

...

me diga:
o que de fato ocorre se o holofote não apaga
e uma máscara persiste no palco
diante um espelho
com as flores ao colo,
mas sem a fala?

há um corte profundo
no crânio, rasga até o peito

isso não é um monólogo...

tudo vaga
Alice in Wonderland
na hora da mira
de um mundo que não a pertence

por favor, tenha dó; grite,
uive...

“— Acorda Alice!”

r
rosa a. — lampiões
[lampiões]
"Na claridade do dia
ninguém distingue o vaga-lume."
— Abbas Kiarostami

tenho vaga-lumes presos na garganta
pequenas estrelas na boca da noite
ensaio lampejos

nas madrugadas
bioluminescências
minhas miudezas
que sussurro entre os dedos

faróis

sob o sol
todas as luzes se apagam
só minha pele dura
brilha na hora dourada

durmo nas manhãs
evito o parto sagrado do dia

não sei ser mãe

desisti de parir qualquer coisa
que possa morrer
antes de mim

rosa a.

Autor

  • Rosa Ataíde

    Rosa Ataíde pseudônimo de Rosangela de Ataíde, natural da cidade de Macaé, reside desde os seus cinco anos na cidade de Niterói – RJ, é antes de tudo poeta, tendo participado do Portal Literal, do Portal Overmundo, atualmente escreve em seus blogues, onde sua escrita vai para além de poemas, é se dá em contos, crônicas, prosas, roteiros, e até pequenos ensaios. É desenhista, fotógrafa, foi secretária na cadeira Setorial de Artes Plásticas representando a sociedade civil na cidade de Maricá, onde atuou em intervenções artísticas, saraus, performances poéticas como a Performance Selváticas junto a atriz, cineasta Jéssica Voguel na, Exposição Grito da Natureza que homenageou Bruno Pereira e Dom Philips, e, na retomada cultural da mesma cidade no evento Mica – Mostra de Inovação Cultural e Artística de Maricá. É também roteirista e estudante do corpo performático no jogo dramático da metáfora, percepção, e nos processos cênicos, fato que contribui para um escrita dramática, onde o leitor se depara com a carne viva em constante diálogo sobre a vida, morte, amor e libido, e todo o seus processos poéticos, o que também se observa em seus desenhos.

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