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“Etimologias sem valor” – Assista ao vídeo com o poema de Edmir Carvalho Bezerra

Etimologias Sem Valor

Adélia originava labirintos nas palavras.
Uma vez, nasceu a manhã com o outono grudado no seu dorso.

As noites esconjuravam os abismos a se guardarem em Adélia.
Lá, se via o esmorecimento da alegria.
Os cães soltavam os latidos, no orvalho plantavam madrugadas.

A rua sem nome, a praça coriscada de azul, uma igreja,
Adélia saía para decorar o chiado das rãs,
o prelúdio dos signos nos ventos.

Os olhos de Adélia lumiavam parábolas:

Amar é de vidro;
Voar é dança com o ar;
Sonhar é desmorrer;
Palavras abrem e fecham o silêncio;
Saudade é ferida resignada;
Recordações são tempestades incuráveis.
A vida é voo que escorre. Dizia, a vida é uma sede.

Adélia dava ao juízo, a mesma gravidade das cortesias a um desconhecido.

Um matadouro deslumbrado para o horizonte,
Adélia chamou de ermo das almas mais inocentes.
Território de vidas sem amores para chorar.

O tempo é vigília ruindo, flor que morre ao descer para Adélia,
ao vê-la procurando o motivo das coisas que podiam ter qualquer nome.

As coisas desterradas ocultam suas belezas na sombra das tristezas,
dardejava Adélia.

Em Adélia os intentos se impregnavam de música.
Pousavam aves, se traduziam;
pedras namoravam, flutuavam ao redor de seus pés.
Em dias frios de suspiros o mundo ficava profundo.

Ninguém ignorava que Adélia amava os cheiros dos espantos,
que vigiava os crepúsculos no sono,
serenava os gritos luzentes,
acolhia os escuros dos medos,
limiava o descanso do sol no rio.

Em Adélia as agonias definhavam,
nuvens se dissolviam,
uns peixes bubuiavam, semelhantes a flautas,
desejo de sorver do ar memórias apagadas,
tocar o lamento das tormentas,
a voz do pão,
o silêncio em chamas,
sentenças de um novo idioma.

Onde nascem as palavras?
Nas águas do vento?
Se derramam dos infinitos, dos abismos?
São tecidas pela agitação dos corações?

Eu que pensei que nossos corações guardassem somente nossas alminhas.

Adélia se envolve no desenho de milhões de lamparinas,
abotoando o fim longe dos trovões.
Olha para o céu onde Deus está sempre aparando a ponta de um lápis.

As palavras têm uma pele feita de um som minúsculo.

— Edmir Carvalho Bezerra

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Marcelino Roque Munine

Lindo poema Prezado Preclaro Coordenador Bezerra! Adorei bastante escutá-lo.

Elke Lubitz

Das maravilhas que leio por aqui!

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