Os desiludidos do amor
– Carlos Drummond de Andrade (Antologia poética, Record, 2022)
“Os desiludidos do amor” é um poema de ironia amarga e compaixão. Nele, Drummond observa a tragédia dos amantes frustrados entre o cômico e o trágico — uma peça breve e cortante que converte desespero em literatura. A interpretação em vídeo é de Fernanda Torres.
Os desiludidos do amor
estão desfechando tiros no peito.
Do meu quarto ouço a fuzilaria.
As amadas torcem-se de gozo.
Oh quanta matéria para os jornais.
Desiludidos mas fotografados,
escreveram cartas explicativas,
tomaram todas as providências
para o remorso das amadas.
Pum pum pum adeus, enjoada.
Eu vou, tu ficas, mas nos veremos
seja no claro céu ou turvo inferno.
Os médicos estão fazendo a autópsia
dos desiludidos que se mataram.
Que grandes corações eles possuíam.
Vísceras imensas, tripas sentimentais
e um estômago cheio de poesia…
Agora vamos para o cemitério
levar os corpos dos desiludidos
encaixotados competentemente
(paixões de primeira e de segunda classe).
Os desiludidos seguem iludidos,
sem coração, sem tripas, sem amor.
Única fortuna, os seus dentes de ouro
não servirão de lastro financeiro
e cobertos de terra perderão o brilho
enquanto as amadas dançarão um samba
bravo, violento, sobre a tumba deles.
– Carlos Drummond de Andrade, no livro “Antologia poética”. Record, 2022
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