Capa - Ivanildo Pessoa
Ivanildo Pessoa

M A R É S

A gaivota avia em desperdiçar os ventos viajeiros de há muito não a via, vigiando o mar. A gaivota. Penas não servem para fazer lastros de navios fantasmas e plumas nada mais são que algodões de ternuras. Apenas. É fino o corte da ponta da asa bordejando a água a areia reclama o abeirar do bico que volteia a concha. Marés.

Azazel - imagem

A Z A Z E L

A música despedaça os últimos tijolos do muro de guardar segredos. pedras faiscantes bailando no cristal azul. ices de naufrágios bordejando os vidros de esquecer desatinos. O dó no piano dita o ritmo dos demônios que martirizam o sono dos injustos. a alma freme ao som dos acordes de Azazel. O anjo caiu.

Delírios - imagem

D E L Í R I O S

Senti desabar sobre o silêncio dos meus dias os soluços de Deus, feito vagalumes que traziam queimaduras nas asas. E tudo o que eu queria eram afagos e beijos de amor. Queria olhar nos olhos de Deus, enquanto os meus marejavam as perguntas que nunca ousei pensar. Deus me ouviria, eu sei. E tudo o que eu queria eram respostas mudas e o som de anjos cadentes. Queria sentar ao lado de Deus e balançar as pernas de prender os pés de trilhar as dores e amassar pedras de fazer chorar. Deus se riria, eu sei. Meus pés são tortos feito os galhos de pendurar tristezas.

Arbítrio - imagem

A R B Í T R I O

Corro meus dedos pelas mãos de Deus e leio suas histórias, feito um cigano que não perdeu o dom. A enxada de carpir o destino dos homens cobrou seu preço e dura é a caneta de perdoar pecados. Há calos nas mãos do Criador e as linhas das palmas viraram rios, tantas as gotas retidas por elas. Deus também chora.

Benzeduras - imagem

B E N Z E D U R A S

Percorre com teus dedos o poema que te fiz, antes que as letras despenquem das linhas que carregam minha face, pelo peso do desuso. Devassa com teus olhos a cortina de letras que esconde o meu coração, antes que o tempo avie em borrar as palavras que nasceram antes de mim. Devora os versos enfeitados pelos caracóis que viajaram léguas, pela estrada de tinta que emenda o papel com o meu olho esquerdo. Decifra as benzeduras contidas nas rezas das palavras que inventei, benze tua boca, acolhe meu silêncio. Ama-me por um dia.

Gaiola - imagem

G A I O L A

A tristeza é um pio de pássaro na gaiola vestida de horizonte e o vento uma asa que já não rasga o céu. sofrer é ver o sol viajar pelo azul e não poder arranhar as nuvens de algodão. Nem voos e nem rasantes, no vão das talas de buriti. O canto são dois olhos que não atravessam mais a vasteza do mundo Belo é o som que vara

Ivanildo Pessoa
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