Mãe, quantos deuses você conheceu no paraíso?
Dedicado ao poeta Benny Franklin
na fotografia Walt Whitman
Mãe, todos os caminhos me levaram a um poeta velho de barbas longas, cheio de ferrugens nos dedos. Ele dizia que suas mãos eram de ouro e as nuvens da sua aldeia pousaram no seu rosto, no dia em que os amigos soldados foram para a guerra.
Eu nunca entendi a cidade e suas tempestades violentas sobre as casas mais pobres, ele cantava. Talvez alguém explique isso no paraíso, talvez você pergunte isso no paraíso.
Ele inaugurava versos estrondosos por entre os dentes envelhecidos; nunca aprendeu a tocar um instrumento de sopro ou de corda. Por isso morava na aldeia da agonia e encantos mudos. Colhia verbos nos ventos mais baixos, aqueles costurados por borboletas sobre as flores e os conjugava em quinta e sexta dimensões. Eram luminosas as escrituras…
Naqueles caminhos para o poeta velho, encontrei um manual de fazer usina de pássaros com chaminés de vozes brancas e cinzas. Havia uma nota no rodapé da terceira página: “Há imagens que só as crianças ouvem.”
Mãe, quantos deuses você conheceu no paraíso?
Sabe aqueles dias em que, no amanhecer, uma brisa carregada de comoventes lembranças faz lágrimas brotar em nossos olhos? Talvez seja isso o paraíso. Essa sensação, essa vontade de mansamente beijar sua voz lá onde os deuses lhe escondem, meu grande amor!
Um desatino agradável, dentro de um choro frágil. As tristezas antigas põem as mãos no rosto e paira sobre as coisas perdidas um silêncio de outro paraíso de sol brando. Tudo o que você ouve são os sons dos instrumentos do plantador de asas caídas da chaminé, abrindo sulcos na terra.
Eu não posso dizer que isso são pensamentos, quando todas as palavras querem apenas ganhar um abraço. Eu cheguei na aldeia apenas para sussurrar nas suas mãos em concha: Tome o meu coração e não conte nada a ninguém, nem no paraíso! Quem guarda o coração mais triste, pode achar nossos gestos ridículos! Mas aprendi nos olhos do poeta velho: O que eu vejo, você também pode ver.
Eu, mãe, acredito nos deuses que você conheceu no paraíso.
Edmir Carvalho Bezerra
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Poemaço!👏👏
Eu escrevo simples. Só isso minha poeta.
Lindo texto, Edmir!
Belíssimo poema Prezado Preclaro, e adorei bastante lê-lo!