Foto em preto e branco de Marcelo Ariel, poeta brasileiro.
Marcelo Ariel

Espinosa para crianças

Não sei dizer
onde termina

o meu corpo

e começa a água
disse a água viva

para a estrela do mar
e eu não sei
dizer

como estou parada e em movimento
disse a estrela
do mar

para o Coral
nós somos a água

disse a água

para a Estrela cadente
que havia caído

no mar
Quando eu era

o céu

negro

antes

de ser

o céu

azul

antes

de ser

este céu

transparente

eu

era

você
✿ · ✿

Veredito

As crianças não foram iluminadas o suficiente

há um momento em que a possessão por si mesma impediu isso
Estamos mais próximos dos cães

que dos leões
Os loucos são

faróis acesos no fundo

de abismos oceânicos
As crianças podem nos ensinar como
Anjos se fossem visíveis

iriam nos aterrorizar

por anos
Crianças e loucos

saem da mente

inicial para a outra

entre a água e o animal

para que santos e santas encontrem

um sentido para a noção de eu

escoar falsamente

pelo ralo da não-mente
As crianças que um dia foram apenas vontade

se comunicando diretamente com o ato e

depois gestos desvinculados da vontade

caindo através dos fatos

que dizem sem palavras

tudo o que existe depois da palavra você

é você
quem diria que

no sorriso louco das crianças

o animal e o anjo
ainda

desamparadamente humanos

nos olhassem tão de frente

de abismos tão rasos
Este poema já acabou três vezes

disse a infância para si mesma
e permanece

desde que você a veja.
✿ · ✿

Meditação diante do mar

Dentro

do tempo

gelo enterrado

na areia

o pensamento

da concha

que sai

da onda furiosa

vê

através da água

esse corpo

efêmeroefêmera

para onde

partem

estes cavalos

brancos

na espuma

como povos

avançando
✿ · ✿

Dora Ferreira da Silva pensa em Emily Dickinson

Melhor não esquecer

a presença herbária

que foi nela

uma alegria rara.
Assim saberemos

que o riso da folha para o orvalho

diluindo o medo

jamais foi

um segredo

Marcelo Ariel

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