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“Monika e o Desejo – Crônica com spoilers sobre erros” – por Rosa Ataíde

Monika e o Desejo

“A vida, meu amor é uma grande sedução, onde tudo que existe se seduz.”
— Clarice Lispector
Cena de Monika e o Desejo

Um filme desafiador, é o que se pode dizer sobre Monika e o Desejo ao pensarmos que se trata de um filme de 1953, mas que é além do que chamamos atual. Bergman traz cenas de provocar dilaceramentos no espectador, assim como o som do mar arrebatador em alguns cortes, suas gaivotas, como a transgressão da juventude de um casal. A corruptividade da vida junto, nem sei se existe essa palavra… corruptividade de viver! Corrupta comigo aqui nessas linhas?

Monika, interpretada Harriet Andersson, curiosamente nos é apresentada logo após o personagem central do longa… pode ser viagem minha, lembrando que não sou crítica de cinema, cineasta, ou coisa igual, sou apenas uma Camusiana apaixonada por Bergman, então arrisco dizer que o narrador do filme, e em Bergman há sempre um narrador oculto ou não, então que ele nos apresenta Monika por um Espelho. Grava bem esse espelho, ele em várias formas aparecerá nos Plot twists e fora deles também, quando alguma cena for marcante.

Aff!!! Aff Mainha… Bem no estilo Painho do Chico mesmo, afundei na cadeira e soltei um “Aff Mainha!” Sabe o que acontece? Não gostei do filme, logo que ele se encerrou, fiquei num estado de “ok…”, mas ele não me saiu da cabeça, assim como quando um tema para uma poesia ou um conto, crônica, seja o que for, fica martelando minha cabeça, às vezes por minutos, às vezes por horas, dias, a vi-da t-o-d-a …

Reparou bem no parágrafo acima? Ele começa até com alguma animação, segue por uma fixação teimosa, e termina quase triste, “uma vida toda…” quando sabemos da brevidade dela, não é meio triste? Para mim é, e assim se dá a cena mais marcante do filme, em que Monika nos olha, e todo o enquadramento da cena foca apenas no seu rosto, em seu silêncio que fala mais que palavras, um olhar que começa desafiador, altivo e vai decaindo, mesmo teimoso, até se tornarem tristes. Monika sabe que está cometendo erros incorrigíveis.

Logo que Monika conhece Harry – Lars Ekborg, seu par no filme, ele se atrapalha para acender o cigarro para Monika, e justamente numa cena que antecede a cena do close em Monika, é que tomamos conhecimento da traição de Monika, que acende o cigarro de um de seus supostos amantes com a ponta do próprio cigarro, olhando nos olhos dele, como quem olha o destino a que se dá. Esse é o Horizonte de Monika, ela não tem preparo para a vida encaixada, doutrinada, sensata e para a servidão, a não ser a capitalista, nesse ponto ela é dispendiosa… Soltar nossas feras exige algum capital, se você for um desprovido, será não um animal, mas um pedinte, e tudo bem ser um porco, mas essa não é a fera que habita Monika, ela está mais para uma borboleta, uma esplendorosa borboleta! Livre, crua, nua, fugaz…

Isso no início da década de cinquenta… Que escândalo! Mas e daí? Em todos os tempos houve o sexo, desde que éramos animais primitivos, ele corre em nossas veias, nosso corpo é uma grande zona erógena, o erógeno num corpo não está apenas nos seios, ou bundas, em formas, ou cheiros, o erógeno num corpo, principalmente o feminino está na presença… Há um corpo feminino que entra num bar! Presta atenção, há um corpo feminino, no espaço, no tempo, nas guerras… Quando penso em guerras, penso no corpo mãe, no corpo que perde, e chora e se entrega, e se ergue e desmorona novamente. Onde está nosso corpo agora? Em que espaço social, político, histórico, econômico, ecológico, íntimo, onde estão nossos corpos enquanto estamos respirando? Acho que isso que nos diferencia um do outro. Mas acho que nada disso nos separa. O horizonte de Monika estava na ponta de um cigarro que a levaria a dançar como uma borboleta pela vida, e ela foi.

O mesmo close se repete na cena final, ela se dá em Harry, que se dispõe a cuidar sozinho de sua filha o horizonte de Harry é a família. Quem há de julgar Harry por amar Monika? Quem há de julgar essas vidas? É a pergunta que o narrador do filme nos faz, quando no mesmo Espelho que digo narrador do drama, em que Monika nos foi dada, o filme se encerra nele, Harry se vai e fica o Espelho do início, sem reflexo algum… Ou seria o nosso reflexo encerrando o drama de Monika e o Desejo?

— Rosa Ataide

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Rosa Ataíde pseudônimo de Rosangela de Ataíde, natural da cidade de Macaé, reside desde os seus cinco anos na cidade de Niterói – RJ, é antes de tudo poeta, tendo participado do Portal Literal, do Portal Overmundo, atualmente escreve em seus blogues, onde sua escrita vai para além de poemas, é se dá em contos, crônicas, prosas, roteiros, e até pequenos ensaios. É desenhista, fotógrafa, foi secretária na cadeira Setorial de Artes Plásticas representando a sociedade civil na cidade de Maricá, onde atuou em intervenções artísticas, saraus, performances poéticas como a Performance Selváticas junto a atriz, cineasta Jéssica Voguel na, Exposição Grito da Natureza que homenageou Bruno Pereira e Dom Philips, e, na retomada cultural da mesma cidade no evento Mica – Mostra de Inovação Cultural e Artística de Maricá. É também roteirista e estudante do corpo performático no jogo dramático da metáfora, percepção, e nos processos cênicos, fato que contribui para um escrita dramática, onde o leitor se depara com a carne viva em constante diálogo sobre a vida, morte, amor e libido, e todo o seus processos poéticos, o que também se observa em seus desenhos.

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Gilberto de Assis Barbosa dos Santos

Excelente resenha… fiquei com vontade de assistir o filme… quando vc fala do que sentiu depois que assistiu a película, me fez lembrar dum filme que assisti lá no final dos anos 90… era uma enunciação fílmica iraniana chamada Silêncio… até hoje me recordo do filme e da quinta sinfonia do Beethoven…

Rosa Ataíde

Gilberto, grata por comentar. Um filme que nunca esqueci na vida, e assisti tinha uns cinco anos de idade, é Orfeu Negro. Mas os do Bergman, raramente não saio com algum questionamento, uma coisa grudada.

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