Não fui amado – Fernando Pessoa (Alberto Caeiro)

Se eu morrer muito novo, oiçam isto:
Nunca fui senão uma criança que brincava.
Fui gentio como o sol e a água,
De uma religião universal que só os homens não têm.
Fui feliz porque não pedi coisa nenhuma,
Nem procurei achar nada,
Nem achei que houvesse mais explicação
Que a palavra explicação não ter sentido nenhum.

Não desejei senão estar ao sol ou à chuva —
Ao sol quando havia sol
E à chuva quando estava chovendo
(E nunca a outra coisa),
Sentir calor e frio e vento,
E não ir mais longe.

Uma vez amei, julguei que me amariam,
Mas não fui amado.
Não fui amado pela única grande razão —
Porque não tinha que ser.

Consolei-me voltando ao sol e à chuva,
E sentando-me outra vez à porta de casa.
Os campos, afinal, não são tão verdes para os que são amados
Como para os que o não são.
Sentir é estar distraído.

Compartilhe nas redes sociais.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Também podes Ler

Você já leu “Pequena coreografia do adeus” de Aline Bei?

Em seu segundo livro, Aline Bei ― autora do premiado O peso do pássaro morto ― constrói um retrato tão sensível quanto brutal sobre família, amor e abandono.

O Rebanho de Saturnino – Um conto de Edmir Carvalho Bezerra

Descia a rua de pedras, Saturnino conduzindo um rebanho de cabras, na direção do rio.

“Não acredito no eco dos trovões” – A poesia do poeta chinês Bei Dao

Não acredito que o céu seja azul; Não acredito em ecos do trovão;