Poemas do livro O Pouso da Libélula
VIAGEM ESPACIAL
todos os dias são iguais todas as noites são iguais
acontece algo diferente quando alguém se aproxima da gente então a mente se inflama e o coração agradece pela felicidade que acontece só num instante equivalente à eternidade
um lírio gera delírios uma rosa é sorte na estrada um jardim é a morada da paz
uma travessia incentiva o caminhante um grito nem sempre é de despedida um abraço forte elimina o cansaço
uma história de amor permanece eterna no retrovisor
ONDAS
1 fragmentos de sombras invadem os trópicos o gozo é um impávido colosso o forno queima as almas livres a opressão é contínua e transformadora Isadora Duncan não morreu no palco o desastre na ponte é mais que verdade o mar invade a metade da praia a hora do almoço é sagrada a mesa está posta sob o caramanchão a desordem, unida pelo refrão, é nova canção
2 escrevo rápido porque a morte vem e ninguém nota as botas fervem no barro os gatos comandam a competição há esperança de novas alianças tudo vai bem em Baependi e em Belém o universo é o único verso livre o boneco de piche é de mentira morte aos infiéis do Norte! uma aluna livre vive no meio das feras até que enfim, outro sinal de giz na lousa
3 três indivíduos comandam a revolução chega de risos contidos, na recreação Caim caminha com a humanidade Abel é réu por sua bondade ofensiva um estranho vive cantando no ninho só o vinho tinto é sangue a água e os peixes anseiam por milagres o mar é o avesso do pomar raios e rios têm assinaturas diferentes lagos são malvados: recebem bem os afogados
4 neste ano, reparem em meu rosto novo os vulcões e as lavas imitam trovões e escadas as emoções esperam a voz do cantor desprezar tentações é pecado mortal as vilas invejam as cidades o bom do humor é apontar o vencedor a rosa perfumada fica abandonada na grade todos nós somos anormais diante da curva os seios satisfazem a fome em dose dupla um tridente assume a direção da tempestade
5 de repente, o trem passou e o céu avermelhou sinto no corpo a indicação do caminho do horto querida, viva a sensação do serviço concluído última chance de seguir os inocentes a certeza das veredas persistentes é um prêmio a correnteza infinita é lenta como a crista da onda as parreiras reclamam das saúvas bêbadas as loucuras caem no chão como uvas maduras as fantasias são amigas convidadas para as festas na mata escura, todas as frutas sucumbem
6 a chuva traz esperança de viagem para o Sul é possível prever o futuro do alto do muro dragões e magos caminham nas alturas fotografias trazem verdades do Além relâmpagos assustam a aldeia nova a onça-parda começa a caçada parada javalis se escondem na sala de poeira o fogo do céu é o maior castigo na terra os oráculos estão certos, em livros abertos letras de poemas são diamantes que dançam
7 tudo passa rápido no tempo circular a memória conta a falsa história da verdade lágrimas invisíveis sempre escondem segredos a perda fere o lado esquerdo do peito uma lembrança alcança a velha aliança nem sempre o esquecimento atinge o alvo o sol não brilha de repente, depois do vento vejo, da janela entreaberta, a cor amarela a alquimia traz uma taça de prata quem diria, está viva a mulher dourada
FOTOGRAFIAS
passagem do tempo parado no nascimento da madrugada
alinhamento de nuvens protege os edifícios dos raios do sol
o ouro da manhã ilumina arranha-céus e casebres
a noite esconde a eternidade e o sentimento do mundo
quando surge a luz certeza da presença da arte de viver
cruzes ao longe corpos vivos em paz
campo e cidade enganos e mágoas repouso e velocidade
degraus celestes vistos da janela do quarto fechado
um novo dia a eterna poesia é noite de amor
paraíso na terra muitos preferem a guerra
Autor
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José Antonio Gonçalves - Nasceu em Mogi Mirim (SP), em 2 de abril de 1941. Formado em Direito pela PUC, reside na capital desde 1965. Foi Procurador e Auditor da Prefeitura de São Paulo. Seu primeiro livro, publicado em 2010, traz a influência desse grande sertão que é o interior do Brasil, com seus espaços e sua religiosidade. Tem uma extensa obra inédita em que predominam poemas curtos. Em preparação final, uma série escrita durante a pandemia, incluindo crônicas e contos. PUBLICAÇÕES Livros: O amor nos sertões: fragmentos (2010) Eu que não creio mas rezo contrito (2017) Cavernas arenitos e poemas (2018) Corpo em mim (2019) Ecologias (2021) Anjo Escolhido (2022) Fotografias e Vinhos - Perda de Sinal - Surpresa do Encantamento (2023) Luzes da Infância - Rituais Extremos - Pontos de Encontro - Estante de Linhas Estonteantes (2024) Anúncios - Voos e Delírios - Jardim Velho - Caderno de Tankas (2025) Participação em Antologias: Ficus Pertusa (na série "Cerrado e sustentabilidade”, Ed. Assis, 2020) - Espionagem (“Testemunhas Oculares”, Ed. Pantemporâneo, 2024) - Rio Doce, fogo falso verdadeiro (“Novos Versos”, Ed. Primata, 2024) Plaquetes: Bichos Bravos (Ed. Primata, 2021) - Invasão Noturna (Ed. Córrego, 2022) - Colagem coragem (Ed. Primata, 2023) - A Cor do Jambo (Ed. Primata, 2024)