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O que é ser poeta no mundo de hoje?

o poeta

Estaria o mundo cada vez mais fraturado, apressado e saturado de palavras ocas?  Em tempos de inteligências artificiais, guerras transmitidas ao vivo, crise climática, feeds infinitos e vidas aceleradas, as perguntas podem parecer esdrúxulas: Ainda faz sentido ser poeta? Você vai me trazer poesia a uma hora dessas?

A resposta não é apenas um sim — é um sim urgente. Ser poeta é estar em desconcerto com a pressa. É caminhar por dentro das palavras quando o mundo grita por artificializarão. É olhar o banal com olhos de espanto. O poeta é o que resiste à desumanização que mata as crianças em Gaza, o que insiste na linguagem como morada do ser, e não como utensílio da manipulação e do marketing que cega. Ser poeta é desobedecer à essa pressa. É amparar o silêncio e se deixar amparar por ele. É dar atenção ao que não brilha, ao que não rende, ao que não serve, mas pulsa. Então não é isso o que diz Manoel de Barros? “Poeta é um ente que lambe as palavras e depois se alucina.”

Não se trata de ostentar um título ou publicar livros. Ser poeta é uma forma de estar no mundo, uma maneira de olhar para as coisas com um tipo de espanto que ainda as reconhece como únicas, frágeis, misteriosas, como se estivessem nascendo ali, naquele momento em que se olha para elas, por mais que ali elas já estivessem há milhões de anos.

Octavio Paz diz que “a poesia é conhecimento, salvação poder, abandono. Operação capaz de transformar o mundo, a atividade poética é revolucionária por natureza; exercício espiritual, é um método de libertação interior. A poesia revela este mundo; cria outro (…) Isola; une. Convite à viagem; regresso à terra natal. Inspiração, respiração, exercício muscular (…). Expressão histórica de raças, nações, classes”. (PAZ, Octavio. O arco e a lira)..” Não é uma mudança imediata ou ruidosa, trata-se de uma transformação íntima, profunda, tênue, que só a poesia é capaz de acender.

O poeta não produz para o consumo, mas para o sopro, o soco, a falta de fôlego, o encantamento. Ele age no intervalo, na margem, nos orifícios da linguagem. Cultiva palavras como quem recolhe cacos num campo minado: com cuidado, reverência e correndo perigo.

“Poesia é voar fora da asa.” Não há motivo prático em escrever poesia. Há intensidade, encontro, revelação, sustentar a delicadeza/aspereza onde tudo parece exigir dureza. É escutar o não dito. O que eu quero é ‘agarrar’ o instante e não ficar naquele estado de morbidez da alma (…). O meu trabalho é aquele instante, um segundo antes da flecha ser lançada, a tensão do arco, a extrema tensão, o sol incidindo no instante do corte, é a rapidez de uma navalha que com um golpe lancinante, fulminante, corta teu pescoço.” (Hilda Hilst).

Talvez seja esse o desafio grande do poeta: Escutar. Escutar o que ficou depois do abismo do ruído. Escutar o que ainda não ganhou forma. Escutar o outro, e a si mesmo, com um ouvido que não cabe, se não no silêncio do caos do mundo.

Não se escreve poesia para vender, para ensinar, para convencer. Escreve-se para tentar nomear o que foge a galope. Um sentimento súbito. Uma perda antiga. Uma imagem inexplicável e espantosa. Um júbilo sem motivo.

Há coisas que só se dizem em versos. Porque há dores que só a sintaxe desarmada pode tocar. E porque ainda há quem leia em busca de algo que o mundo mundano não tem oferecido: Verdade sensível, linguagem viva, experiência compartilhada. Como disse Paul Valéry, “Um poema nunca está terminadoapenas abandonado” O mesmo se pode dizer do poeta: Ele nunca se conclui, nunca se explica por inteiro.

O poeta vive“A hora da estrela: “Escrevo por não ter nada a fazer no mundo: sobrei e não há lugar para mim na terra dos homens. Escrevo porque sou um desesperado e estou cansado, não suporto mais a rotina de me se ser e se não fosse a sempre novidade que é escrever, eu me morreria simbolicamente todos os dias.”(Clarice Lispector)

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