Os poemas de Roseana Murray abrem portas para o invisível — sentimentos, memórias e encantos da vida cotidiana. Com linguagem delicada, ela transforma o amor, o tempo e a natureza em imagens poéticas intensas. Cada verso é um convite à escuta interior e ao olhar sensível. Sua poesia é chave, milagre, casa e revelação.
A CHAVE
Há que encontrar a chave.
A que abrirá as paredes,
as portas e as janelas,
a que se esconde entre
as notas da harpa
dos sentimentos,
entre as páginas
de um livro,
nos versos de um poema,
entre as camadas do amor,
na água das lágrimas.
MILAGRE
Como numa colcha
de retalhos,
os dias e as noites
se costuram
e nos levam
em suas horas
secas ou caudalosas,
cavalos indomáveis.
Viver é o milagre
que nos guia.
A CASA DE TODOS OS NINHOS
Existe uma casa encantada
que abriga todos os ninhos,
é feita de sol e vento,
calor, areia e tempo.
Suas árvores se vestem
de espinhos, de ervas
com raízes gigantes
(maiores que elefantes),
e flores e cactos
que enfrentam
as tempestades, ondas
e redemoinhos.
A casa de todos os ninhos
agarra as areias das praias,
abraça as dunas e lagoas,
sobe e serpenteia
pelas terras firmes,
coberta de sal, brilha
no sol quente
para proteger
o litoral.
MÁQUINA FOTOGRÁFICA
A máquina fotográfica
do Armarinho Mágico
é bem diferente:
Não faz fotos de paisagens,
bichos ou gente.
Fotografias de sentimentos
é o que faz.
Para cada um, uma cor.
Só vou contar a primeira
fotografia,
não importa se é noite
ou dia,
o amor é sempre dourado.
O resto você inventa.
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Poema falado
Autor
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Digo como Neruda, poeta que amo: para nascer nasci. Para fazer poesia, amar, cozinhar para os amigos, para ter as portas da casa e do coração sempre abertas. Nasci num dia quente de dezembro, em 1950, dois meses antes do previsto, numa clínica em Botafogo. Sou filha de imigrantes poloneses, Lejbus Kligerman e Bertha Gutman Kligerman, que vieram para o Brasil antes da Segunda Guerra fugindo do antissemitismo. Passei a infância no bairro do Grajaú, no Rio de Janeiro. Gosto de mato e silêncio, não sou nada urbana. Durante muitos anos vivi em Visconde de Mauá, mas troquei Mauá por Saquarema em 2002, já que uma cirurgia na coluna tornou a montanha quase intransponível por um tempo. Agora, depois de vinte anos, depois de uma segunda cirurgia,volto sempre que posso para Mauá. Meu filho André Murray continua lá tocando as suas árvores e panelas no Restaurante Babel : ele é Chef de Cozinha. Meu outro filho é músico, o Guga Murray vive em Resende onde tem uma Escola de Música, a Atrium, cheia de experiências lindas e inovadoras. Quando nos reunimos a vida vira festa. Eles são filhos do meu primeiro casamento. Desde 1997 estou casada com o Juan Arias, jornalista e escritor . Tenho muitos livros publicados ( uns 100 livros) e leitores de todas as idades, aliás não acredito em idade, mas sim em experiências vividas. Fico muito feliz quando penso que um poema que escrevi aqui na minha mesa, sozinha, chega a lugares tão distantes e emociona tanta gente.