Biografia e Legado
Paul Celan (nascido Paul Antschel em Czernovitz, Romênia) foi um poeta judeu de língua alemã, que adotou o pseudônimo Celan (um anagrama de seu sobrenome). Ele iniciou seus estudos de medicina em Paris, mas retornou à Romênia antes da Segunda Guerra Mundial.
Durante a guerra, Celan passou 18 meses em um campo de trabalhos forçados, e seus pais foram deportados para um campo de concentração nazista, onde faleceram. Após escapar, ele se estabeleceu em Paris, onde lecionou língua e literatura alemãs e trabalhou como tradutor prolífico de obras de autores como Robert Frost, Arthur Rimbaud e Charles Baudelaire. Ele era fluente em pelo menos seis idiomas.
Embora tenha vivido na França e sido influenciado pelo surrealismo, Celan escreveu sua poesia em alemão. Sua segunda coletânea, **Papoula e Memória** (1952), trouxe-lhe aclamação da crítica e abordou o dilema central de sua obra: a união entre o poeta do verso inebriante e o sobrevivente com a “mais dilacerante das memórias humanas.”
Celan é talvez mais conhecido pelo poema “Fuga da Morte” (“Todesfuge”), mas sua obra posterior evoluiu para um estilo que buscava “expurgar seus poemas de contextos preestabelecidos.” Como sobrevivente do Holocausto, ele sentia um profundo estranhamento em relação ao alemão (sua língua materna e também a dos assassinos de sua mãe), o que o levou a uma **”desconstrução e reconstrução”** do idioma. Isso resultou em poemas mais sombrios e hermenêuticos, que criavam seu próprio contexto.
Ele recebeu o Prêmio Bremen de Literatura Alemã (1958) e o Prêmio Georg Buchner (1960). Celan sofria de depressão e cometeu suicídio em 1970.
Poemas de Paul Celan
ELOGIO DA DISTÂNCIA
No manancial de teus olhos vivem as redes dos pescadores do Mar Extravio. No manancial de teus olhos o mar mantém sua promessa. Aqui arremesso de mim, coração que morou entre os homens, os vestidos e o brilho de um juramento: Mais negro no negro, estou mais nu. Somente discordante sou fiel. Eu sou tu quando eu sou eu. No manancial de teus olhos singro e sonho pilhagem. Uma rede pegou uma rede: nos separamos abraçados. No manancial de teus olhos um enforcado estrangula a corda.
OUVI DIZER
Ouvi dizer que na água há uma pedra e um círculo e sobre a água uma palavra, que põe o círculo em volta da pedra. Eu vi meu álamo descer até a água, vi como seu braço se estirou até a profundidade, vi suas raízes viradas para o céu implorando pela noite. Eu não corri atrás delas, apenas recolhi do chão essa migalha que tem de teu olho a figura e a nobreza, tirei de teu pescoço a corrente das sentenças e com ela orlei a mesa onde jaz a migalha. E então não mais vi meu álamo.
ARGUMENTO E SILÊNCIO
Para René Char Posta na corrente entre ouro e esquecimento: a noite. Ambos quiseram pegá-la, a eles lhes deu licença. Deposita, agora deposita também tu o que quer despontar ao lado dos dias: a palavra sobrevoada de estrelas, a orvalhada de mar. A cada um a palavra, a cada um a palavra que o cantou, quando a matilha lhe saltava pelas costas — a cada um a palavra que o cantou e ficou empedernida. A ela, à noite, a sobrevoada de estrelas, a orvalhada de mar, a ela a silenciada, da qual não jorrou o sangue, quando o venenoso dente das sílabas se cravou. A ela a palavra silenciada. Contrária às outras que, logo que rodeadas obscenamente por ouvidos de descaro, também escalam o tempo e os tempos, dá testemunho ao final, ao final, quando apenas repicam as correntes, dá testemunho dela, que ali jaz entre ouro e esquecimento, ambos irmanados desde sempre — pois onde clareia, me diz, se não é onde ela, que na região aluvial de suas lágrimas mostra aos sóis que descem uma e outra vez a colheita?
ENTARDECER DAS PALAVRAS
Entardecer das palavras — buscador de mananciais no silêncio! Um passo e outro passo mais, um terceiro, cujo rastro tua sombra não elimina: a cicatriz do tempo se dilata e inunda a terra de sangue — os cães da noite palavreada, os cães repercutem agora meio a meio dentro de ti: festejam a sede mais selvagem, a fome mais selvagem… Uma lua derradeira te assiste: lança à matilha um extenso osso de prata — nu como o caminho pelo qual vinhas —, porém isso não te salva: o raio que suscitaste se encrespa ainda mais perto, e em cima dele nada um fruto que mordeste há anos.
Paul Celan
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