“Penso em inventar outro cais…” – A poesia de Renato Gusmão

Meu lado sol

eu vos apresento
o meu lado sol
de noite cômodo
de dia ardo
de súbito sumo
rápido voraz

meu brilho único
límpido
sólido e líquido
lúcido

uníssono terra e mar
romântico do fôlego
mergulho de pássaro
cântico no horizonte

efêmero
patético
caótico sagaz

cético todo
em época de frio
nômade por aí a flanar
Pelo âmbito do calor

eu sou o rei
astro que renasce
todos os dias
vívido voltarei
ávido ao aquecer
as manhãs mais frias

§

Portal

eu bem sei o som da minha fala
quando guardada na imensidão
que soa dentro palavra
naturalmente quando lavra
logo faz lembrar outra canção

chega no silêncio que cala
com toda força dos desejos
penso em inventar outro cais
poder seguir todos os sinais
farois e risco dos lampejos

luz no fim da tarde assinala
pela voz do contentamento
minha parla segue o sol
na cor divina do arrebol
Portal da morada do vento

§

Céu da noite

com o matiz da noite
no centro da luz
a lua minguante
invade e reluz
na amplidão

azulejam estrelas no céu
e o cio guardião
acasala tanto aniz
vai ao léu das cores
e do infinito breu
acende o gris

em desejos claros
no chão salpicado
astros raros
num fogo de viés
comem estrelas
portanto vos direis
nada é pecado
pois o fogo
vem delas

§

Saliva

Saliva minha
na tua boca
fere o que já é ferida
sara o que nunca foi vida

rasga a pele nua
no fogo
que um dia apaga a lua
no facho cínico
da noite crua

Karma e zen
do beijo que jamais
o desejo salivou

§

Jardim de France
(para Renata Gusmão)

cativo eu
em jardins de France
vislumbrante
leveza nas pronúncias
da língua na língua
minha língua
que amo d’amour

acorrentado eu
um andante ao léu
ardente no frio
às alturas Eiffel
rendez-vouz da fala
da voz
da boca
no chão do país

eu
sem
Baudelaire

liberté
égalité
fraternité

em tardes
dias
manhãs

margem do Sena
concreta ponte
liberta-me agora
dos vãos da poesia
para os jardins
de plantas

§

Meu ser

Habita em mim um ser obstinado
dentro de um corpo livre que vive
preso no mundo da sela ideia
a cabeça cheia de poemas soltos
desidratado de tanto pensar

fisgo com anzol da loucura
letras e músicas
namoro a lua cheia
e de paixão até o talo
na teia do sol eu calo
dentro das frases
em parágrafo único
sem vírgulas e crases

do meu corpo escorre semântica
rios de sinônimos e significados
entre milhões ou em uma palavra
a língua traduz sons mastigados
na colheita na lavra
crisma em fogueira nova
benigno amor
fogo e cinza do meu ser

dentro de mim há um romântico
um andarilho nômade cansado
um poema líquido e sólido
um mar alto um fogo cruzado

um ordinário prolixo léxico audaz
dos verbos curtos cuspidos
minha síntese é socar as letras
no estômago da paz
refluxo do próprio vento a recriar
no âmago
na terra no fogo
no ar

***

Autor

  • Renato Gusmão

    Renato Gusmão - Poeta e Compositor. Nascido do sumo das raízes e das folhas das mangueiras e dos açaizeiros de Belém do Pará. Criador e coordenador do Núcleo de Arte Cor da Pátria, desde 1993. Lançou CDs E LIVROS. Participa de festas literárias e bienais de livros. Vive da poesia.

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Renato Gusmão

Que bom que temos esse canal de divulgação. Na realidade, mais do que isso, é a possibilidade de visibilidade de grande alcance. Obrigado, Edmir!

Eliana Fonseca

Maravilha…. O amanhecer com poesias de Renato Gusmão 😍

Renato Gusmão

Obrigado, Lica!
Você, sempre apoiando o meu fazer poético!

Última edição 1 dia atrás por Renato Gusmão

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