Poemas De Claudio Daniel – Uma voz sempre presente

ADHA

Seu rosto é como a lua.
Ela, a moça que tem brincos
em formato de peixe
faz Krishna dançar
em lilas de amor dançarino.
Seus olhos são iguais
a pássaros dançantes.
Ela, cujo rosto é como a lua.
Cega de amor, dança
vestida de carmesim
flor de lótus nos cabelos.
Ela, cujo rosto é como a lua
só deseja ter um milhão de olhos
sem pálpebras, para ver sem piscar
as infinitas faces de Seu Amado.

BOSQUE DE RADHARANI

“flor com mil olhos de água”
Hilda Hilst

manhã de neblina
(cachoeira-branco-
azul-do-céu):
pés cruzam ponte de madeira
molhada pela chuva
até o campo
de pétalas
açafroadas.
Barro, lanternas
de pedra,
formigas que carregam
folhas, flores roxas e amarelas.
No bosque de Radharani
— moça com olhos de lótus
e voz cantante de mel —
tudo canta-encanta:
olhos-de-água
cantam-encantam
flores brancas
cantam-encantam
borboletas negro-azuis
cantam-encantam
até as pedras cobertas de musgo
cantam-encantam.
Nada existe além do aroma úmido
e dos ruídos do rio.
(Todos os rios oram por Ela
que se banha à meia-noite).
(Todos os rios oram por Ela
que dança com os pés
pintados de vermelho.)
Nada existe além das árvores
de troncos inclinados
pinhas queimadas
folhas e gravetos.
Porque tudo o que existe vem Dele,
vem Dela, vem do Ele-Ela
em mil danças de amor dançarino.
Pergunte às árvores.
Pergunte aos rios.
No bosque de Radharani
— aquela que encanta o encantador
o encantado encantável
Govinda-da-face-azul-lótus-negrume —
tudo é canto-encanto.

(em Nova Gokula, 2024)

NITYANANDA

Ele
o louco!
Ele, o louco
de amor!
Ele
que é dois:
o amor
e o Amado.
Ele
que é dois:
o dançarino
e a dança.
Ele-Aquele
cujos pés
brilham
rebrilham
como milhares
de luas
e sóis.
Presto
reverências
ao Senhor
Nityananda!
Ele-Aquele,
o de pele
vermelho-
dourada.
Ele-o-Outro
cujo pescoço
é untado
com polpa
de sândalo.
Presto
reverências
ao Senhor
Nityananda!
Ele-Aquele-o-Outro,
que sempre canta
os nomes
de Radha
e Krishna!
Por favor, escutai
minhas poucas
palavras.
Minha mente
é louca, louca!
Ela se move
como um peixe
na água, oscila
de um lado
a outro
não tem paz!
Minha mente
é louca, louca!
Ela corre-corre
como o elefante
na floresta
não tem paz.
É tão difícil
viver neste mundo
com a mente
descontrolada!
Por isso, presto
reverências
ao Senhor
Nityananda!
Ele-Aquele-o-Outro
que sempre canta
os nomes de Radha
e Krishna!
Esta mente
este mundo
têm menos sentido
do que a água
contida
na pegada da pata
de um bezerro.
Que o Senhor Gauranga
tenha misericórdia.
Que o Senhor Nityananda
tenha misericórdia.
Se tudo é loucura
se tudo é insanidade
entre ser louco
neste mundo
vaga mundo
e ser louco de amor
na dança-dançante-dançada
do dançarino de todas as danças
mostrai-me o caminho
dessa última suprema loucura.
Oh Senhor de pele
vermelho-dourada!

Autor

  • Cláudio Daniel

    Claudio Daniel, pseudônimo de Claudio Alexandre de Barros Teixeira, é poeta, tradutor e ensaísta. Nasceu em 1962, na cidade de São Paulo (SP), onde se formou em Jornalismo pela Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero. Cursou o mestrado e o doutorado em Literatura Portuguesa na Universidade de São Paulo (USP), onde defendeu a tese A recepção da poesia japonesa em Portugal. Realizou o pós-doutoramento em Teoria Literária pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), durante o qual realizou pesquisa sobre o tema Caligrafia e visualidade na poesia experimental portuguesa. Foi diretor adjunto da Casa das Rosas, Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura, em 2007, curador de Literatura no Centro Cultural São Paulo entre os anos de 2010 e 2014 e colunista da revista CULT. Editou, ao longo de vinte anos, a Zunái, revista de poesia & debates. Atualmente, é editor da revista impressa Grou Cultura e Arte, do Banquete, jornal de resenhas e crítica literária e, ao lado de Antônio Vicente Seraphim Pietroforte  do programa Poesia na veia, transmitido no YouTube. Sua obra poética foi traduzida parcialmente para o inglês, espanhol, italiano, catalão e japonês. Em 2001, recebeu o prêmio Redescoberta da Literatura Brasileira, oferecido pela revista CULT. Em 2007, foi selecionado para o Programa Rumos Literatura, promovido pelo Itaú Cultural, e em 2009 recebeu a bolsa de criação literária oferecida pela Funarte. Organizou os eventos literários internacionais Galáxia Barroca e Kantoluanda na Casa das Rosas, em 2006, na cidade de São Paulo, e foi um dos curadores do festival Tordesilhas, Festival Ibero-Americano de Poesia Contemporânea, realizado em 2007, na Caixa Cultural, e do Tordesilhas, Poetas de Língua Portuguesa, realizado em 2010, na Casa Fernando Pessoa, em Lisboa. Em 2011, foi convidado para o III Festival Internacional de Poesia em Santo Domingo, República Dominicana. Em 2021, participou dos eventos online Festival Zoopoético, Nkodya DyaMpangu – Encontros de Arte e Pensamento – e Templo d’Escritas – I Festa Literária Internacional da Língua Portuguesa. Participou de diversas antologias, nacionais e internacionais, como Pindorama, 30 poetas de Brasil, organizada e traduzida por Reynaldo Jiménez (Buenos Aires: Tsé Tsé, 1998), New brazilian & american poetry, com seleção e tradução de Flavia Rocha e Edwin Torres (New York: Rattapallax n. 9, 2003), Cetrería, once poetas brasileños, preparada por Reina María Rodríguez (Havana: Casa de Letras, 2003), Antologia comentada da poesia brasileira do século 21, organizada por Manuel da Costa Pinto (São Paulo: Publifolha, 2006), Alguna poesía brasileña, com seleção e apresentação de Rodolfo Mata e Regina Crespo (Cidade do México: editora da Universidad Nacional Autónoma de México, 2009), Roteiro da poesia brasileira: anos 90, preparada por Paulo Ferraz (São Paulo: Global, 2011), entre outras.  Atualmente, Claudio Daniel é editor da revista eletrônica de poesia e debates Zunái, do blog Cantar a Pele de Lontra (http://cantarapeledelontra.blogspot.com) e ministra aulas online de criação literária no Laboratório de Criação Poética, curso realizado à distância, via internet. Livros publicados: Poesia:  Sutra (edição do autor, 1992) Yumê (Ciência do Acidente, 1999) A sombra do leopardo (Azougue, 2001) Figuras metálicas (Perspectiva, 2005) Fera bifronte (Lumme Editor, 2008) Letra negra (Arqueria, 2010) Cores para cegos (Lumme Editor, 2012) Cadernos bestiais, volume I (Lumme Editor, 2015) Esqueletos do nunca (Lumme Editor, 2015) Cadernos bestiais, volume II (Lumme Editor, 2016) Cadernos bestiais, volume III (Lumme Editor, 2016) Fuyú, poemas de inverno (1ª. Edição, Espectro editorial, 2017; 2ª. Edição, Córrego, 2020) Cadernos do rio vermelho (Edições Galileu, 2020) Marabô Obatalá (Kotter Editor, 2020) Fiori occipitale è il nome dela testa (Lumme Editor, 2020, edição bilíngue, com traduções para o italiano por Alessandro Mistrorigo) E-book:  Marabô Obatalá (Leonella Editorial, 2017, http://amzn.to/2GEy3Yp) Em Portugal:  Escrito em osso (Cosmorama, 2008) Antologia da poesia brasileira do início do terceiro milênio (07 Dias, 06 Noites, 2008) Marabô Obatalá (edição portuguesa, Kotter Editor, 2020) No México: Yumê. Tradução: Victor Sosa (Calygramma, 2014) Ficção: Romanceiro de dona Virgo (contos, Lamparina, 2004)  Mojubá (romance, no prelo) Tradução: Geometria da água e outros poemas, de José Kozer (Fundação Memorial da América Latina, 2000, em colaboração com Luiz Roberto Guedes) Estação da fábula, de Eduardo Milan (Fundação Memorial da América Latina, 2002).  Madame Chu e outros poemas, de José Kozer (Travessa dos Editores, 2003, em colaboração com Luiz Roberto Guedes) Prosa do que está na esfera, de Leon Felix Batista (Olavobrás, 2003, em parceria com Fabiano Calixto). Jardim de camaleões. A poesia neobarroca na América Latina (Iluminuras, 2004). Sunyata e outros poemas, de Victor Sosa (Lumme Editor, 2006). Shakti, de Reynaldo Jiménez (Lumme Editor, 2006). Íbis amarelo sobre fundo negro, de José Kozer (Travessa dos Editores, 2006, em colaboração com Luiz Roberto Guedes e Virna Teixeira). Antologias: Na virada do século, poesia de invenção no Brasil (Landy, 2002, em colaboração com Frederico Barbosa). Perfectos extraños. seis poetas de Brasil. Antologia de poetas brasileiros contemporâneos, em versão bilíngüe, com traduções ao espanhol por Eduardo Milan (revista El Poeta y su Trabajo n. 15, Primavera / 2004, México). O arco-íris de Oxumaré. Antologia de poetas brasileiros contemporâneos, em versão bilíngüe, com traduções ao espanhol por Reynaldo Jiménez, Manuel Ulacia e outros (revista Homúnculus n. 3, Verão / 2004, Peru). Todo comienzo es involuntario. Ocho poetas jóvenes brasileños. Antologia bilíngüe com traduções de Leo Lobos (revista El Navegante n. 2, Verão, 2007, Chile). Ovi-Sungo, Treze Poetas de Angola (Lumme Editor, 2007). El ornitorrinco naranja (Lumme Editor, 2014) Na internet: Zunái, Revista de Poesia e Debates: www.revistazunai.com.br (“primeira dentição”); www.zunai.com.br (“segunda dentição”) Claudio Daniel Home Page: www.revistazunai.com.br/zunai  Cantar a Pele de Lontra (blog), http://cantarapeledelontra.blogspot.com  

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