(Arcano 13)
A primeira vez
que a Morte passou pela minha vida
caíram-me por terra
a coroa do império o cetro do orgulho
o castelo da vaidade
E fui ficando mais leve
do enorme peso da vida
A segunda vez
que a lâmina da Morte passou pela minha vida
cortou-me os braços
e todo o apego fugiu-me por entre os dedos
E fui ficando mais livre
do enorme peso de existir
A terceira vez
que a lâmina da Morte passou pela minha vida
cortou-me as pernas
e aprendi a caminhar com os próprios passos
E fui ficando mais livre
do eterno peso de existir
A quarta vez
que a lâmina da Morte passou pela minha vida
rasgou-me o horizonte do coração
e todas as estrelas do futuro
caíram-me aos pés
E fui ficando mais solto
do pesado fardo de ser
A enésima vez
que a Morte passou pela minha vida
já estava podado
de quase todos os excessos do ego
Separado o espesso do sutil
reduzido à essência do ser
E fui ficando mais leve
do aéreo peso da vida
A última vez
que a Morte passou pela minha vida
decepou-me o pescoço e a esperança
Minha cabeça rolou pelos campos de toda memória
Estava livre de todo o excesso da matéria
e comecei a viver
NOVA CELEBRAÇÃO DAS PADARIAS
paulo francis
preferia os restaurantes 5 estrelas de new york
c/ cerimonial e cadeira cativa
prefiro as padarias 14 a 24 horas no ar
canto de balcão ou mesa confortável
e presenciar a navegação do humano
sou boêmio de padarias
o odor do café e pão
a sedução visual das iguarias
a sinfonia dos pratos e xícaras
o burburinho dos pedidos
a temperatura calorosa
de sala de arco-íris
as incursões das sagradas famílias
c/ o pão de queijo por testemunha
as reuniões monocórdicas
de executivo$$$$$$$$$$$$$
a paquera inaugural & o resgate
(c/ o sal e o açúcar ao lado)
da promissória do amor
o eros dionisíaco-apolíneo
da beleza feminina
cada vez mais estonteante
os egressos das baladas
reencontrando o reino
das vitaminas & proteínas
tudo é carrossel
confraternização
do cotidiano
celebração
da grande existência
meu ofício é simples
espresso duplo
forte e encorpado
pão na chapa suave-crocante
quiçá queijo branco
ou ovo estrelado
ganham votos especiais
(sem desmerecer
a alternância da tapioca
c/ queijo de coalho
e pequeno bloco
p/ investidas inesperadas
da lady poesia)
as padarias
desembarcaram
em minha vida
pelos portais da noite
quando o álcool
entrou em vazante
em barris de carvalho
os cafés
lançaram âncoras
em minhas expedições
à redescoberta do mundo
amigo amiga
mantenha fidelidade
ao espírito da alegria
aquilo que dizem amor
& fraternidade universal
não é ainda o prato do dia
mas padarias são o ágape
mais próximo a vislumbrar
à preparação da alegria
celebremos as padarias
[ 2 ]
no domingo as crianças
conduzem os pais pelas mãos
e os fazem reconciliar-se
ante o trigal coletivo
enquanto piazzola abre o bandoneon aos ventos & crava banderillas no tempo
surto de raízes reabre a sinfonia de melancolia & figueira gigante oferta-me companhia
agonia- esta noite o fantasma do avô felício surgiu carregando cesto de maçãs e uvas gigantes cobrando-me viagem a mendoza
extraviou-se a peregrinação ao líbano chão da bisavó estrela culpa de guerrilha de bolso e da lilith alucinada que se lançou à trama
andarilho de mim adiei o pacto com deus mas me enviou o arcanjo gabriel pra restaurar-me a lamparina e arder em renascimento
vem girassol derresol retira o amor do discurso porque o verdadeiro amor o não-amor encontrará próximo a você
em busca do inevitável incognoscível inexplicável e impossível mergulho nos travesseiros de musgo
thereza me diz: “tens cheiro de lar e me sinto em casa.” ovelhas pastam no azul do horizonte do lençol.
te adivinho menino lustrador de castiçais livro sem parafusos profetas de alucinações e esquecimentos
moleque pulando amarelinha nas estrelas herda o que te cabe de amor e angústia
A PALAVRA REJEITADA
As pessoas
não gostam de poesia
Apenas não sabiam
Mas agora que proclamei
essa verdade
liberto-as da ilusão astral
e dos jogos de espelhos
do inconsciente lírico
Livres do inferno dos versos
poderão seguir seu caminho
e retornar à inocência primeva:
o estudo dos gerânios
a trilha dos canários
a cor das revoluções
– à esquerda se preferirem
Talvez ao renunciarem ao desejo
de compreender a poesia
e vasculhar seus laboratórios
alquímicos e labirintos
possam ser fisgados por ela
e decifrado o koan
que se mantinha suspenso
E constrangidos abandonassem a via
considerada gloriosa e essencial
mas que descobririam ser
apenas vaidade
Caminhar sozinho
pode dar a cada uma delas
a verdadeira dimensão
da condição humana:
um sinal, um indício,
um fóssil, um signo, um riso
E lembrarão extasiados
às batidas de eros
um cântico existencial
mas será outra coisa
Haverá ainda alguns incautos
hábeis em escarafunchar entrelinhas
a fazer a leitura dos intervalos
que presumirão ter encontrado
a brasa dormida
mas o fogo não está mais ali
A poesia sempre está
onde não está
E estranhamente serão gratos
a este desmancha prazeres
que ao retirar-lhes o inferno
permitiu-lhes a coabitação
de um novo céu
mas de segunda classe
A poesia é para os desiludidos
os que amam o vazio
e escondem-se das plateias
ante a tragédia reveladora
de serem descobertos
Soturnos
recolhem-se às suas grutas
acendem a chama
e fazem o ritual
da plena adoração
do verbo
Mas a poesia
salva da danação
aqueles que a acolhem
em seu círculo de rosas
e liberta
o espírito de beleza
que estava desvalido
Tudo que ela
(a poesia) toca
vira ar
Autor
-
Luís Augusto Cassas São Luís do Maranhão, 02/03/1953) nasceu longe, como as utopias, desenvolvendo a vocação para o horizonte. Trilha o caminho do meio, mas há risco de abocanhar o inteiro. Após ciclo de mortes e transformações, novo nascimento entre duas palavras.Tendência à profundidade, por estar sempre em queda. Teórico do mais. Hoje, discípulo do menos. Poeta do alto e do baixo, do externo e do de dentro; às vezes é fogo; às vezes, vento. De índole solitária, não é membro de nenhuma academia de letras, sindicato ou entidade de classe. Mas aprecia longas caminhadas e bom papo. Gosta de contemplar a unidade, dispersa na criação: "Embora o olho não perceba, sabe-o o coração". A serviço da luz, do belo e do verso. Para ele, o mundo é pura poesia. Não é à toa que o chamam de universo. Mestre em becos, Ph.D. em ladeiras, Ofm das águas do Maranhão.