Poemas de Luís Augusto Cassas

POEMA DA GRANDE TRANSFORMAÇÃO

(Arcano 13)

A primeira vez que a Morte passou pela minha vida caíram-me por terra a coroa do império o cetro do orgulho o castelo da vaidade E fui ficando mais leve do enorme peso da vida A segunda vez que a lâmina da Morte passou pela minha vida cortou-me os braços e todo o apego fugiu-me por entre os dedos E fui ficando mais livre do enorme peso de existir A terceira vez que a lâmina da Morte passou pela minha vida cortou-me as pernas e aprendi a caminhar com os próprios passos E fui ficando mais livre do eterno peso de existir A quarta vez que a lâmina da Morte passou pela minha vida rasgou-me o horizonte do coração e todas as estrelas do futuro caíram-me aos pés E fui ficando mais solto do pesado fardo de ser A enésima vez que a Morte passou pela minha vida já estava podado de quase todos os excessos do ego Separado o espesso do sutil reduzido à essência do ser E fui ficando mais leve do aéreo peso da vida A última vez que a Morte passou pela minha vida decepou-me o pescoço e a esperança Minha cabeça rolou pelos campos de toda memória Estava livre de todo o excesso da matéria e comecei a viver NOVA CELEBRAÇÃO DAS PADARIAS paulo francis preferia os restaurantes 5 estrelas de new york c/ cerimonial e cadeira cativa prefiro as padarias 14 a 24 horas no ar canto de balcão ou mesa confortável e presenciar a navegação do humano sou boêmio de padarias o odor do café e pão a sedução visual das iguarias a sinfonia dos pratos e xícaras o burburinho dos pedidos a temperatura calorosa de sala de arco-íris as incursões das sagradas famílias c/ o pão de queijo por testemunha as reuniões monocórdicas de executivo$$$$$$$$$$$$$ a paquera inaugural & o resgate (c/ o sal e o açúcar ao lado) da promissória do amor o eros dionisíaco-apolíneo da beleza feminina cada vez mais estonteante os egressos das baladas reencontrando o reino das vitaminas & proteínas tudo é carrossel confraternização do cotidiano celebração da grande existência meu ofício é simples espresso duplo forte e encorpado pão na chapa suave-crocante quiçá queijo branco ou ovo estrelado ganham votos especiais (sem desmerecer a alternância da tapioca c/ queijo de coalho e pequeno bloco p/ investidas inesperadas da lady poesia) as padarias desembarcaram em minha vida pelos portais da noite quando o álcool entrou em vazante em barris de carvalho os cafés lançaram âncoras em minhas expedições à redescoberta do mundo amigo amiga mantenha fidelidade ao espírito da alegria aquilo que dizem amor & fraternidade universal não é ainda o prato do dia mas padarias são o ágape mais próximo a vislumbrar à preparação da alegria celebremos as padarias [ 2 ] no domingo as crianças conduzem os pais pelas mãos e os fazem reconciliar-se ante o trigal coletivo ADIOS NONINO enquanto  piazzola abre o bandoneon aos ventos & crava banderillas no tempo surto de raízes reabre a sinfonia de melancolia &  figueira gigante oferta-me companhia agonia-  esta noite o fantasma do  avô felício  surgiu carregando cesto de maçãs e uvas gigantes cobrando-me viagem a mendoza extraviou-se a peregrinação ao líbano  chão da bisavó estrela culpa de guerrilha de bolso e da lilith alucinada  que se lançou à trama andarilho de mim adiei o pacto com deus mas me enviou  o arcanjo gabriel  pra restaurar-me a lamparina e  arder em renascimento vem  girassol  derresol  retira o amor do discurso  porque o verdadeiro amor o não-amor  encontrará próximo a você em busca do inevitável incognoscível inexplicável e impossível mergulho nos travesseiros de musgo thereza me diz: “tens cheiro de lar e me sinto em casa.” ovelhas pastam no azul do horizonte do lençol. te adivinho menino lustrador de castiçais livro sem parafusos profetas de alucinações e esquecimentos moleque pulando amarelinha nas estrelas herda o que te cabe de amor e angústia A PALAVRA REJEITADA As pessoas não gostam de poesia Apenas não sabiam Mas agora que proclamei essa verdade liberto-as da ilusão astral e dos jogos de espelhos do inconsciente lírico Livres do inferno dos versos poderão seguir seu caminho e retornar à inocência primeva: o estudo dos gerânios a trilha dos canários a cor das revoluções – à esquerda se preferirem Talvez ao renunciarem ao desejo de compreender a poesia e vasculhar seus laboratórios alquímicos e labirintos possam ser fisgados por ela e decifrado o koan que se mantinha suspenso E constrangidos abandonassem a via considerada gloriosa e essencial mas que descobririam ser apenas vaidade Caminhar sozinho pode dar a cada uma delas a verdadeira dimensão da condição humana: um sinal, um indício, um fóssil, um signo, um riso E lembrarão extasiados às batidas de eros um cântico existencial mas será outra coisa Haverá ainda alguns incautos hábeis em escarafunchar entrelinhas a fazer a leitura dos intervalos que presumirão ter encontrado a brasa dormida mas o fogo não está mais ali A poesia sempre está onde não está E estranhamente serão gratos a este desmancha prazeres que ao retirar-lhes o inferno permitiu-lhes a coabitação de um novo céu mas de segunda classe A poesia é para os desiludidos os que amam o vazio e escondem-se das plateias ante a tragédia reveladora de serem descobertos Soturnos recolhem-se às suas grutas acendem a chama e fazem o ritual da plena adoração do verbo Mas a poesia salva da danação aqueles que a acolhem em seu círculo de rosas e liberta o espírito de beleza que estava desvalido Tudo que ela (a poesia) toca vira ar ***

Autor

  • Luís Augusto Cassas

    Luís Augusto Cassas São Luís do Maranhão, 02/03/1953) nasceu longe, como as utopias, desenvolvendo a vocação para o horizonte. Trilha o caminho do meio, mas há risco de abocanhar o inteiro. Após ciclo de mortes e transformações, novo nascimento entre duas palavras.Tendência à profundidade, por estar sempre em queda. Teórico do mais. Hoje, discípulo do menos. Poeta do alto e do baixo, do externo e do de dentro; às vezes é fogo; às vezes, vento. De índole solitária, não é membro de nenhuma academia de letras, sindicato ou entidade de classe. Mas aprecia longas caminhadas e bom papo. Gosta de contemplar a unidade, dispersa na criação: "Embora o olho não perceba, sabe-o o coração". A serviço da luz, do belo e do verso. Para ele, o mundo é pura poesia. Não é à toa que o chamam de universo. Mestre em becos, Ph.D. em ladeiras, Ofm das águas do Maranhão.

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