PARA A MORTE.
QUANDO A MORTE VIROU SÍMBOLO NESTA CIDADE? – Amal Albuqamar
Os cigarros da hora se acabaram
enquanto o homem traga o tempo irritado entre os lábios,
esmaga a cinza do pecado e enterra milhares de mulheres nos dedos.
Deus pendura as plaquinhas desta vida no corpo dos mortos,
e os fios emaranhados choram abraçados pelo sangue e se estendem entre os túmulos dos vivos para puxar o coração dos coveiros.
Morre a vida da areia,
morrem as trepadeiras em cima dos corpos nos muros destruídos que não conservam as lágrimas dos perdedores.
Tudo aqui morre, tudo menos os mortos.
A morte aqui é eternidade,
a morte aqui é aquele bêbado que escreve um poema na rocha usando o cinzel
de seu eu, sem se dar conta.
Não sabe que há uma fenda na pedra da existência, vazia de sentido.
–
A morte aqui é a luta,
luta entre as coisas esvaziadas de sua realidade
e uma mulher que, como eu, esfrega o corpo com o sal do nada.
Nenhuma morte cola no vestido das noivas quando gritam nas primeiras núpcias.
Nenhuma luz nasce do ventre da estéril que carrega dentro dela um poema.
Não tem sentido o vazio,
não tem outro sentido a realidade
que este: nascer, sempre, do amanhecer do sétimo céu.
Tradução de Alexandre Facuri Chareti
Poemas de Fatima Ahmad – Mora na Faixa de Gaza e já escapou várias vezes da morte.
Em 2008, foi baleada nas costas e seu filho perdeu um olho.
O CALOR DA LUA
(…)
Aqui as ideias nascem livres em torno das flores de romã
e nas celas a ideia é enterrada viva.
Aqui em todo canto há um carcereiro
que come os ossos dos jovens e suas vidas
e até as tranças de suas amadas!
Que valor tem a palavra…
se tudo aqui está debaixo dos sapatos do algoz?
Levante-se, Handala,
não vire as costas, não cruze as mãos atrás,
seja nosso rosto novo.
(…)
Tradução de Maria Carolina Gonçalves
PRANTO EM MODO CLÁSSICO PELA TERRA PALESTINA
Eu vou porque o cheiro da terra ainda me chama,
com toda minha determinação eu vou.
Não vou parar, não vou olhar para trás,
as sombras das vinhas me esperam, não vou olhar para trás,
o cheiro do café fervido ainda está lá, para onde eu vou,
ouço os ecos do arghul me chamando
e, dentro de mim, os poemas dos camponeses no tempo das colheitas.
Como é frágil a vida quando vivemos os poemas no estranhamento,
quando só o que nos separa deles é o cercado que rodeia nossas nuvens,
nossa terra, nosso céu, nossa chuva.
–
Eu vou para minha aldeia na Palestina.
Ela sente minha falta e eu sinto falta dela.
É um amor nato e latente,
é um fogo que não apaga.
Bissan, Alkármil, Yafa e Safad,
Alquds, Aljalil e Annássira,
deixem-me sofrer, ó cidades,
não chorem por mim, ó cidades,
talvez um dia as lágrimas ganhem asas!
Tradução de Maria Carolina Gonçalves
Poema de Ahmad Assuq – Nasceu na cidade de Gaza, em 1999. Escreve poesia e prosa.
Acredita que os poemas têm asas, como os pássaros.
ESPERANDO POR VOCÊ
Quando a guerra terminar
vou levar você a um restaurante luxuoso
sem ter medo da morte
e vou lhe comprar um café.
Vou cantar
diante do mar
para você esquecer o que aconteceu esta noite.
Agora sob o bombardeio
nós seremos heróis,
mas quando a guerra terminar vou convidar você para dançar,
só nós dois,
sem a companhia de uma bomba inesperada,
sem nos assombrar um artefato no céu.
Uma semana
e tudo vai acabar
vamos ficar bem…
O mundo vai abrir o jornal
e vir correndo nos socorrer.
Depois da guerra terminar
não vamos nos sentar na frente do espelho
e olhar fixamente nossas feições perdidas.
Vamos colocar máscaras
para não ter que perder
estes rostos que já não reconhecemos.
A guerra é dura,
mas me leva a amar ainda mais.
Vamos brindar a estes tempos
e o mundo será testemunha de que estávamos juntos
sob o bombardeio.
Logo estaremos reunidos
e nessa hora
o mundo vai voltar à letargia habitual.
Todos os rostos dos homens
que foram retirados debaixo dos escombros
parecem o rosto do meu pai.
E o rosto das crianças que gritam.
E o seu, seu rosto
que não me deixou um só minuto em toda a cena.
Vimos juntos as bombas
que rasgam as pessoas
como trapos esgarçados
quando caem sobre elas
feito feras em fúria.
Pensaram que morri,
mas eu estava esperando por você.
Não me ouviram,
gritando seu nome.
A morte não os deixa ouvir.
Não morri.
Caí,
esperando por você.
Tradução de Felipe Benjamin Francisco
Poema de Bassman Addirawi – Nascido na cidade de Gaza em 1988. Escreve em árabe e em
inglês. Diz que a poesia lhe faz sentir liberdade e conforto.
FILHOS DESOBEDIENTES
Meus temores crescem dentro de mim
como filhos que espicham a cada dia.
Seus ossos crescem novos centímetros
e se parassem na frente do espelho
veriam que ganharam altura de um dia para outro
e estão a ponto de trocar a dentição por dentes permanentes.
Nas horas de guerra, correm para meu coração
procurando um lugar mais quente que meus pés gelados.
Do meio dos escombros nasce de mim outro filho do desejo
que parece estar só, como um José entre os irmãos
invejado por eles
que brigam com ele e o torturam.
Vem até mim, certa noite, chorando, sangrando
mesmo eu os repreendendo constantemente.
O problema é que não sei mais
se quero me livrar deles
ou se sou o pai que ama até os filhos desobedientes.
Tradução de Beatriz Negreiros Gemignani