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“Prenda, então, a lágrima com chave…” e se deixe iluminar pela poesia de Noélia Ribeiro

O TOQUE DA PONTA

O toque do dedo
Na pele solitária
Faz irromper
O sentimento genuíno

A ponta do dedo
Guarda o destino
Na impressão
Do amante

A ponta do dedo
Aponta o trajeto
Do fascínio
E do medo

O toque do dedo
Aquece o coração
Desatento
Dos envelhecidos

§§

A PEDRA

Na sala, nuvens gaguejam claridade
perante pálpebras engessadas.
Saudades calcificadas germinam nos órgãos vitais
e não provocam mais do que o poema de Ana C.
The rolling stones are not under my thumb.
Solenemente, levanto a planigrafia contra a luz.
Dias e dias pouco azuis
junto à marmota de Bill Murray
a soletrar a palavra spleen.

Será que Sísifo tinha pedra no rim?

§§

ALLIUM CEPA

Chore.
Chore até soluçar. Permita
que a mobília desmorone. Leia
um poema de Paulo Henriques Britto. Ouça
Dolores Duran no Spotify. Corte
uma ou duas cebolas na cozinha.
Elas exsudam abandonos antioxidantes.
Prenda, então, a lágrima com chave
espartana, como fez dias atrás, e
caminhe pelo centro da cidade.

Os miseráveis conseguem cortar cebolas sem chorar.

§§

SEM TETO, SEM CHÃO

À espera do voo,
olhos aguardam no painel de controle
a possibilidade exígua
de comunicação dos signos.

A dor vê-se sob a lupa
da interrogação.

O amor, em sua ilusão,
roga a Cronos
a passagem das horas
em um átimo.

A aeronave e o sonho
resistem a deixar o pátio.

§§

NADA EM TI ME SURPREENDE

Nada em ti me surpreende
Conheço teu contorno
Teu sotaque
Teu afeto

Sei do calor
De tuas mãos
Conchas onde guardo
Meu segredo

Deitada à sombra
De teu corpo
Sou nascituro cego
Incompleto

Nada em ti é cedo

§§

ROTINA

Abolir a inércia
entre roupas
na máquina de lavar

Apreciar a queda
dos seios sem paroxismos

Cutucar a própria onça
estampada nos pratos sujos

Subir a pele do rosto
com os dedos e indagar:
Espelho, espelho meu...

§§

TERROR

motosserra
a danificar ouvidos
suscitar a cólera

motosserra ilícita
a desumanizar homens

motosserra fabricada em covis
a esquartejar ex-pec-ta-ti-vas

motosserra cega
a descerrar os olhos do gato
aviltar pássaros pasmos

a motosserra cética
vocifera o fim do Cosmos

***
Foto do autor

Noélia Ribeiro é pernambucana, radicada em Brasília. Publicou Expectativa (1982), Atarantada (Verbis, 2009), Escalafobética (Vidráguas, 2015), Espevitada (Penalux, 2017), Assim não vale (Arribaçã, 2017) e Pequena Antologia Pessoal (Bestiário, 2023). Participou das antologias New Brazilian Poems (Ibis Libris, 2019), As Mulheres Poetas na Literatura Brasileira (Arribaçã, 2020), Que apartes de mi cuerpo este cáliz de fuego (Ayuntamento de Morille, 2021), Feminino Infinito (SPVI, 2022) e Novas Vozes da Poesia Brasileira (Arribação, 2024), entre outras. Produziu e apresentou o programa A Fim de Poesia, no período de 2020 a 2024, em seu Instagram @noeliaribeiropoeta.

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