Augusto dos Anjos explora a finitude humana, a angústia e a sensação de solidão diante da morte. Com linguagem direta e imagens fortes.
As dúvidas existenciais, a insistente viagem entre o idealismo e o materialismo e o tom marcado por emoções disfóricas como a angústia, a melancolia, o desamparo e a solidão tornam a poesia de Augusto dos Anjos impactante, densa e ímpar. A morte é um dos temas centrais da sua poética. O poeta fala da solidão e traição nas relações humanas. A ingratidão – esta pantera – o homem desumano, o mundo cruel; a sofredora beleza trágica da dor, um fardo que persiste até depois da morte.
O que significa viver e o que nos espera no final do caminho ressoam nos poemas de Augusto dos Anjos com as angústias e os dilemas que todos nós enfrentamos.
Versos Íntimos
Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de sua última quimera.
Somente a Ingratidão – esta pantera –
Foi tua companheira inseparável!
Acostuma-te à lama que te espera!
O homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.
Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!
Sofredora
Cobre-lhe a fria palidez do rosto
O sendal da tristeza que a desola;
Chora – o orvalho do pranto lhe perola
As faces maceradas de desgosto.
Quando o rosário de seu pranto rola,
Das brancas rosas do seu triste rosto
Que rolam murchas como um sol já posto
Um perfume de lágrimas se evola.
Tenta às vezes, porém, nervosa e louca
Esquecer por momento a mágoa intensa
Arrancando um sorriso à flor da boca.
Mas volta logo um negro desconforto,
Bela na Dor, sublime na Descrença.
Como Jesus a soluçar no Horto!
Eterna Mágoa
O homem por sobre quem caiu a praga
Da tristeza do Mundo, o homem que é triste
Para todos os séculos existe
E nunca mais o seu pesar se apaga!
Não crê em nada, pois, nada há que traga
Consolo à Mágoa, a que só ele assiste.
Quer resistir, e quanto mais resiste
Mais se lhe aumenta e se lhe afunda a chaga.
Sabe que sofre, mas o que não sabe
É que essa mágoa infinda assim, não cabe
Na sua vida, é que essa mágoa infinda
Transpõe a vida do seu corpo inerme;
E quando esse homem se transforma em verme
É essa mágoa que o acompanha ainda!
Augusto dos Anjos
(Sapé, 20 de abril de 1884 – Leopoldina, 12 de novembro de 1914)